sábado, 18 de abril de 2009




Círculo de fogo


* Por Tiago Velasco


Entrei no ônibus. Ouvia os fones de ouvido. Decidi que nessa manhã não leria. Queria ver as pessoas pela enorme janela do coletivo. A cidade. Era bonita de manhã. Nuvens escuras de chuva e algumas nesgas de sol quente. Os fones me isolavam do mundo. Não ouvia ninguém; nada além das músicas que tocavam aleatoriamente. Às vezes, acho que consigo deixar minha cabeça vazia de pensamentos. Não é verdade, claro. Fico concentrado na paisagem.

Minha percepção se alterava de acordo com a música que entrava pelos amplificadores. Mesmo não prestando atenção ao que toca, a mudança de andamento de uma canção para outra costuma modificar, também, o meu olhar sobre as situações corriqueiras. Como se um dial de rádio estivesse acoplado na minha cabeça e fosse responsável pelo meu humor.

Por vezes, isso pode confundir o meu cérebro. Coisa rápida. Afinal, não é fácil se adaptar à transição de uma canção do Los Hermanos a uma faixa do Motörhead. Calmaria e tormenta sem aviso prévio.

Mas digressiono, dou voltas e não chego ao ponto que me levou a escrever. Foi uma dessas músicas sortidas. Uma voz grave – em todos os sentidos que você, leitor, puder imaginar. Instrumentos gravados baixinhos, num típico registro dos anos 50. “Ring of fire” me pegou de jeito. Fiquei com os ouvidos em pé, para captar cada palavra bem pronunciada por Johnny Cash.

Muito tem se falado sobre o Homem de Preto. Nos últimos tempos, o countryman foi lembrado no filme “Johnny and June”, que fizeram sobre sua vida. Não vi, mas dizem que é bom. Concorreu ao Oscar. OK, isso não significa, necessariamente, grande coisa. Nesse caso, parece que a indicação foi justa. Li por aí. Antes, porém, ele foi lembrado – que ironia! – por sua morte. Também, dos mortos, só podemos ter lembranças, obviamente.

Mas não vem ao caso o motivo de um dos precursores do rock ter sido lembrado de uns tempos pra cá. Eu o trouxe à tona, nesta nota, pela comoção que me causou há pouco, ainda pela manhã. Uma nostalgia de uma época que não vivi. Filmes de faroeste. Solidão. Uma leve tristeza, daquelas boas, que não te deixam na fossa, que até fazem brotar um sorriso de canto de boca.

Devo avisar que não sou afeito a tristezas. Por isso, não costumo gostar de coisas que me botam pra baixo. Mas Johnny Cash pode tudo. Afinal, tenho que respeitar alguém com o poder de me deixar feliz em ficar triste.

“I fell into a burning ring of fire
I went down, down, down
and the flames went higher”

* Jornalista formado em dezembro de 2005 pela FACHA, no Rio de Janeiro. Repórter da revista de música/cultura independente “Outracoisa”, a revista do Lobão. Colaborou com revistas e sites de música e editou, por um ano, um fanzine impresso, o Item.

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