segunda-feira, 27 de abril de 2009




O pusilânime


* Por Celamar Maione


A família e os amigos comemoravam os 23 anos de Dedinha, no terraço da casa dela, com muita carne, cerveja e pagode. Havia umas 30 pessoas presentes rindo e dançando sem parar. Ás 5 e meia da tarde, os convidados e os donos da casa estavam enfastiados de tanto comer e beber. Depois do bolo da aniversariante, Arnaldinho, o noivo, fez um comunicado.

Ele subiu num pequeno palco improvisado no meio do terraço, pegou o microfone do karaokê e pediu a atenção de todos: “Queiram olhar para mim ... Seu José, por favor venha aqui na frente, faço questão....o senhor é o pai da aniversariante”.

Dedinha ficou vermelha de vergonha com aquela atitude do noivo. Fez cara feia e um sinal de longe para Arnaldinho descer do palco improvisado. A advertência foi pior. Arnaldinho, meio que trocando as pernas, depois de dúzias de cerveja, respondeu:
-Só saio daqui depois que falar com seu pai...quero que todos ouçam o que vou dizer...

Os parentes presentes, primos, tios e alguns amigos começaram a gritar, os mais chegados vaiaram Arnaldinho e outros em coro gritaram:
-Arnaldinho vai pedir a Dedinha em casamento!

E começaram a cantar: “Com quem será... com quem será que a Dedinha vai casar.... vai depender .... vai depender do que o Arnaldinho vai dizer......!?”

Arnaldinho aproveitou a deixa e respondeu:
- Então façam silêncio. Eu preciso falar . Seu José, por favor, do meu lado.

Seu José subiu ao palco e ficou pertinho do suposto futuro genro. Dedinha colocou a mão na cabeça e falou para a amiga de infância que acompanhava tudo, atenta e com cara de riso: :
- Eu vou entrar, Solange. Vou para o meu quarto. Não vou suportar ficar presenciando essa palhaçada. Lá vem merda. Arnaldinho só fala merda, ainda mais de porre..
- Espera. Deixa ver o que ele vai falar. Arnaldinho adora você. Eu acho até que ...

Foi interrompida pelo Arnaldinho:
- Psiu!.Silêncio! Vou falar.

Todos se calaram e ficaram olhando atentos para Arnaldinho. Enquanto isso, ele se ajeitava, limpava a garganta, encolhia a barriga.
- Seu José, o senhor sabe o quanto eu respeito a sua filha, o quanto eu amo a sua filha. Eu quero pedir a mão da Dedinha em casamento. Eu quero me casar com a Dedinha.

Assobio geral.. Seu José foi ás lágrimas. Se emocionou. Pediu um lenço à esposa. Enquanto isso, Dedinha rangia os dentes de raiva.
-Filho da puta! Esse babaca vai me pagar!
- Pagar o quê? - perguntou a amiga.
- Ele perguntou se eu quero casar com ele?!
- E não quer?
- Não! Boboca demais, fiel demais, telefona sempre,.vem me ver todos os dias. Enfadonho!
- E isso não é bom?!
- Gosto de homem cachorro. Nasci para ser cachorra. Hhomem comportado comigo não tem vez. Não dá tesão! E quer saber mais? Nós nunca transamos.
- O quê? – A amiga fez cara de espanto – Nada? Nadinha?
- Nada. Tenho até vergonha de falar. Acho que ele é broxa.

Nisso, Arnaldinho pede a presença de Dedinha no palco Os tios empurram a sobrinha:
- Vai lá! Seu noivo tá chamando. Anda. Deixa de ser envergonhada.

A prima solteirona e zarolha solta um comentário invejoso:
- Se fosse comigo eu já estava lá. Que romântico!

Dedinha, quase matando, Arnaldinho subiu ao palco e falou no ouvido do noivo:
-Eu vou matar você! Hoje mato você!

Arnaldinho deu um sorriso sem graça, puxou Dedinha com força e beijou a noiva na boca. Dedinha mandou a mão na cara de Arnaldinho. O burburinho foi geral.
-Ahhhhhhhhhhhhhhhh

A prima zarolha e solteirona murmurou:
- Tem gente que abusa da sorte.

Arnaldinho colocou a mão no rosto e ficou com a boca aberta sem acreditar no tapa que recebera. Dedinha, que até aquele momento teve uma atuação discreta, apesar de aniversariante, gritou:
- Reage!! Eu quero ver você reagir, seu frouxo! Você é um frouxo mesmo!

Arnaldinho desceu do palco, ainda sem rumo pelo que acabara de acontecer. Seu José brigou com a filha:
- O que é isso Dedinha?! Foi assim que eu criei você?!

A mãe gritava:
- Meu Deus, que vergonha!!!! Que vergonha!!!

Dedinha fez um muxoxo, balançou os ombros e respondeu:
- Eu tenho culpa se não gosto dele para casar?

Seu José foi até o microfone e sentenciou:
- Podem ir para casa, o churrasco acabou. Por hoje é só!

Os familiares recolheram seus pertences e tomaram o rumo da porta. Arnaldinho arrumou os espetos do churrasco, desligou a churrasqueira e foi falar com Dedinha.
- Dedinha, meu amor, vem cá – disse, segurando a noiva pelo braço.

O pai entrou em casa com a mãe e deixou Dedinha a sós com o noivo.
- Larga meu braço! Você não teve consideração, meu aniversário, minha festa de aniversário, e você apronta essa palhaçada!
- Você não quer se casar comigo? Você não gostou do pedido que fiz ao seu pai?

Com raiva, pela atitude impensada do noivo, Dedinha terminou o noivado com Arnaldinho. Ele ainda chorou, se ajoelhou aos pés dela, mas quanto mais ele fazia, com mais raiva ela ficava.
- Sai, seu frouxo! Eu não gosto de homem frouxo. Gosto de macho. De homem que tem pegada.

Arnaldinho chorava tanto que gania. Fez de tudo para convencer Dedinha. Foi inútil. Foi embora cabisbaixo. Durante dois meses ficou atrás de Dedinha. Ligou. Foi no trabalho dela. Na faculdade. Procurou as amigas. Até que encontrou consolo nos braços de Solange, a amiga de infância de Dedinha. Primeiro procurou Solange para desabafar. Depois ficaram íntimos. Aconteceu o primeiro beijo. Começaram a namorar. Quando Solange contou a Dedinha sobre o namoro, o mundo veio abaixo.
- O quê??!! Namorando meu ex?!! Sua traíra! Não quero ver mais você!!!

Com o orgulho ferido, Dedinha cortou relações com Solange. Voltou a procurar Arnaldinho. Depois de alguma insistência, conseguiu o ex de volta. Só que um mês depois, o jeito comportado de Arnaldinho, começou a lhe causar tédio. Voltou a maltratar o noivo, que não reagia, pelo contrário, se mostrava cada dia mais apaixonado.

Casaram assim: com Dedinha agredindo Arnaldinho com palavras. E ele, abaixando a cabeça para tudo. A primeira transa foi na noite de núpcias. Não era broxa. O casamento durou anos. Tiveram dois filhos e 4 netos. Alguns amantes também. Os dois. Dedinha morreu primeiro.

Arnaldinho ia todos os domingos levar flores no túmulo da esposa. Num domingo chuvoso, encontrou Solange. Foi levar flores no túmulo do marido. Se viram, se olharam e se abraçaram comovidos.

*Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.


5 comentários:

  1. Há quem goste de viver em conflito, e sem resolver o conflito. O negócio é brigar mesmo. Fazer o quê! Dedinha morreu antes de provar outro tipo de relação, mas o viúvo, parece, partiu pra outra com Solange. Melhor assim, sabe. Às vezes, a paz, a maturidade, fazem bem ... né, Cel? Parabéns.

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  2. Os dois lugares, de Arnaldinho e de Dedinha não são nada confortáveis. Figuras comuns. Há tantos "abestalhados" que se casam e nem sabem o motivo.Nem se pode dizer que ela foi má. Os medícores também têm direito a uma história.E Celamar fez da vida desses dois uma novela boa.

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  3. Momento psicologia: mulher não gosta de homem bom por qual motivo??? 28 beijos, Celamar.

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  4. O amor nascendo num cemitério. Só mesmo a Celamar pra imaginar mais essa. Mas é onde nem imaginamos que rola a vida como ela é. Parabéns.

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  5. Vários aspectos do comportamento humano abordado em um só texto. Tive a impressão de conhecer de perto os personagens. Muito bom, Cel! Beijos e parabéns!

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