sábado, 18 de abril de 2009


Superstições

* Por João Prata



Não acredito, mas também não sou contra superstições. Não tenho muita fé nessas coisas, mas também não vou passar embaixo de uma escada. Minha esposa é o contrário. Ela adora qualquer coisa ligada ao misticismo. Pra você ter uma idéia, ela já leu a mão pela internet. As festas de fim de ano, pra ela, são, realmente, uma festa.

Era segunda ou terça-feira, não lembro direito. Sei que era começo de dezembro. Eu estava no sofá, lendo um livro, quando todas as superstições entraram na minha casa, junto com minha esposa. Ela abriu a porta com um monte de sacolas. Todas enormes. Estava com cara de uma pessoa realizada. Entrou, colocou tudo no chão – na passagem da sala para o banheiro –, foi de encontro a mim, me deu um beijo e voltou, animadíssima, para as compras.

-O que é isso?
-É para decorar a casa para o final de ano – disse excitada. – A gente vai receber visitas, lembra?

Abriu o primeiro pacote. Uma árvore de natal de plástico, com mais ou menos um metro comprimento. “Até aí está tudo tranqüilo”, pensei. Mas sabia que aquilo ia longe. Volto a ler e me disperso. Uns minutos depois, olho para ver o que ela estava aprontando. Vejo a casa decorada com uns arranjos – folhas de plástico, douradas e brancas.

-Dourado????
-É.... É a cor do dinheiro. É para a gente ganhar muito no ano que vem. Tamo precisando, né?
-Que eu saiba é o amarelo.
-Eu sei. Mas o dourado também serve.

Aceitei. Ela, a superstição em pessoa, não estaria errada. Voltei para o livro. E ela para o trabalho de nos deixar ricos em 2006. Depois de feita a decoração da casa dourada e branca, lá foi ela para a árvore de natal. Liguei a televisão. A árvore de natal ficava à direita da tevê. Estava com um olho em cada lugar. “Quero só ver as coisas `fofas` que ela comprou”, pensei. Mas foi pior do que eu imaginava.

-Ah, não! Esse negócio vermelho aí em cima não dá. Não tem nada a ver. Coloca alguma coisa.... dourada – achei essa minha sugestão ótima.
-Vermelho, caso você não saiba, representa o amor – respondeu voltando para seus afazeres, com cara de que eu não estou preocupado com a relação.

Outras cores foram aparecendo na árvore. Decidi não fazer mais perguntas. Cada uma deveria ter seu significado especial. Coisa ruim não era. Deixei passar. Terminada a nova e provisória decoração da casa, ela senta do meu lado no sofá.

Hoje, aproveitei e escolhi meu vestido para o réveillon.

“Aproveitei?”, pensei remedando ela. Ninguém aproveita para comprar um vestido. A loja de decoração e a de roupas não ficam no mesmo lugar. Vai entender... Continuei prestando atenção na tevê.

-Então – ela levanta-se e começa a gesticular.
-O vestido vai ser branco, com um negócio aqui que você puxa, amarra atrás, com a alça assim, ó; e uns detalhes em dourado aqui. Vai ficar lindo, não vai?

Sem prestar muita atenção e sem entender nada, respondo que sim. E pergunto:

-E o vermelho?
-Não combina, né? - como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
-Pelo visto você nem gostou muito. É sempre assim. Eu compro um monte de coisas legais para casa. Compro o vestido pensando em você. E você não gosta de nada.

-Ai meu deus. Eu disse que gostei. Mas não sou que nem suas amigas que ficam esperneando quando acham alguma coisa bonita. Eu disse que achei bonito.

-Mas desse jeito parece que você falou só para me agradar – do nada ela pára esse assunto, esquece, e arranja outra preocupação.
-E você tem que escolher a roupa para a festa de réveillon – em tom de cobrança.
-Depois eu vejo isso.
-Depois vai ficar perto do natal, você não vai querer comprar porque “fica estressado” – tirando sarro – e não vai comprar nada. Se quiser eu compro. Só não vai me pedir para comprar mais uma bata branca que você só usa uma vez na vida.
-Peraí. Isso também não. Uso todas elas até hoje..
-Sei...

Um mês depois, chegou o grande dia. Eu vestido com uma bata branca com detalhes azuis claros – ela que me deu, disse que o azul claro seria a cor do santo protetor de 2006 e que eu ficava muito bem com batas. Ela, trajando seu vestido branco, com detalhes em dourados. Até entrar na festa ela implicava que eu não tinha gostado. A trégua só aconteceu porque ela não queria começar o ano estressada – não traria sorte, segundo ela.

Sobre o vestido, na verdade, eu gostei. Só reclamei do decote. E com razão. Essas festas, todo mundo fica bêbado e nem os amigos respeitam. “Todos vão ficar olhando esses peitos”, disse sutilmente para ela. Esse presságio a deixou “fora de si”. Para consertar tentei fazer elogios. Falei bem do cabelo, da sandália, da cor do vestido, mas não adiantou nada. O acordo de paz só veio mesmo na hora que entramos na festa.

De ótimo humor e sem tocar no assunto roupa, fomos até a mesa do bufê. Estávamos amigos, fazendo planos para 2006. Peguei um prato e não sabia o que escolher. Tinha de tudo: camarão, lagosta, carnes, massas, queijos... Tudo do bom e do melhor.

-Então – ela me chama.
-Comeu as nozes?
-Não
-Então come, dá sorte.

Discuti, disse que não gostava muito, argumentei de todas as maneiras. E ela insistindo. “Só um pedacinho, vai dar sorte”. Comi metade ali mesmo.
Voltamos para mesa. Olho para o prato dela e vejo que ela pegou uma sopa. Fico indignado.
- Com esse calor, com tantas opções de comida, você vai até o bufê e pega...... sopa.
- É sopa de lentilha. Dizem que dá sorte. Trás dinheiro.

Antes dela pedir para eu comer também, antecipei: “me dá logo duas colheradas”.
Deu meia noite, estouramos champanhe, fui pular as famosas sete ondas. Ela não quis.
-Ué, você que é toda supersticiosa não vai pular as ondas.
-Por isso mesmo. Hoje tem um monte de gente. Fica uma energia carregada. Só vou pular amanhã.

* Jornalista, mora em Salvador, mas é paulistano. Em São Paulo, trabalhava com internet. Foi repórter e editor de conteúdo do portal Conpet (da Petrobras). Também trabalhou durante dois anos na Space Produções, empresa de web.


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