sábado, 25 de abril de 2009


Fotogramas do dia a dia

* Por Willian Novaes


Telefone, água e luz cortados. A cesta básica ganhada de esmola de alguma bolsa-miséria está no fim. As roupas estão surradas. As crianças, duas, estão com as barriguinhas inchadinhas. Vermes. A mulher está depressiva, Josete, anda cansada, acorda cansada, não limpa mais a casa. E eu gordo, triste, sem dinheiro, um trabalho infeliz, estressante, rotineiro, hemorrágico. Josete não dorme mais comigo, depois que nasceu a Claudia, ela não tem mais tesão. Disse que o médico tirou o prazer da vida dela. Simplesmente ela não entende que somente foi uma cirurgia para ligar as suas trompas. Todos os dias ela fala que o médico tirou o prazer da vida dela. Sentar e gozar no pau do marido.

Pobre mulher não entende a vida como ela é. E eu fico por aqui, dormindo na cama de solteiro. As crianças são a alegria desse pequeno casebre. Dois cômodos que vivem quatro pessoas. Eu, Josenete, Claudia e Marta. Essas pessoas comem todos os dias e bebem também. E eu trabalho somente em um emprego, meu trabalho é tirar fotos das pessoas que vão fazer a 1ª, 2ª, 3ª sei lá que via do RG aqui no Centrão. Eu arrendei uma máquina de um conhecido do meu irmão. Pago pra ele 700 paus por mês, mais o aluguel, conta de luz, água, gás e a mistura. Tiro mais ou menos 1.500 paus, 700 eu dou pra o dono da máquina, 300 pro aluguel, sobra 500 paus, mais a bolsa-esmola que minha mulher ganha, vivemos com 550 paus mensais. Ah; também ganho uma cesta-básica do traficante aqui da região, eles falam que é a Igreja que dá, mais eu sei que são eles; os trafica da quebrada.

Por que eu sei? Porque eu sou foda, já vivi com os caras eu sei tudinho como o sistema funciona. É, moro na quebrada aqui do Jaraguá, extremo oeste, norte da capital, na verdade ninguém sabe que porra que é aqui. Mas sei lá é mais bonito falar que moro na zona oeste, próximo ao Pico do Jaraguá. Fazer o que, é a vida. O Pico é bonito pra cacete, pena que não tenho grana pra levar as minhas barrigudinhas lá em cima, deve ser lindo ver toda essa loucura que é São Paulo, mas também será que dá para ver todas as favelas da quebrada?

É complicado morar por aqui é muito morro, minha mulher vive reclamando que está com dor nas pernas, parece que é problema de varizes, estão todas inchadas e roxas as pernas dela. Mas o que eu vou fazer, não tenho grana nem pra comprar um pãozinho, o seu Souza da vendinha já está embaçando na minha, preciso pagar aquele velho português do caralho, pô o cara sabe que eu tou na situação e não vê. Mas não é da conta dele. Vou pagar logo mais, só deixa eu levantar a bala.

Como a Josete me enche o saco. Me cobra todo santo dia. “Caramba você não vai melhorar de vida logo não, seus filhos estão crescendo e você aí na mesma?! Qualquer dia eu vou perder a paciência e sair pelo mundo. Vai nessa que eu vou deixar você sozinho, por aí solteiro. Pra te fuder vou deixar as minhas filhas com o pai delas, você não foi bom, pra literalmente me fuder e mandar me castrar, igual a um bicho?! Tá bom, agora quero ver onde você vai ficar enfiando esse pinto mole. Cara você acabou comigo”. É, a Josete é incompreensível e não entende que foi para o bem dela. Agora fica regulando aquela bucetinha gostosinha, só quero ver o que eu vou fazer, estou ficando de saco cheio de bater punheta, nem dinheiro pra ir na zona eu tenho. Porra a Josete não precisava jogar desse jeito.

Todo dia eu acordo às quatro e meia da manhã pra ir pro trampo. Sempre pego o primeiro trenzão vou no último vagão mesmo. Os manos são aliados, já passamos várias fitas juntos, mas eu hoje em dia tou de boa. Sei lá porque eu vou no último, deve ser o inconsciente que me manda para lá, tem dia que chego loução no trampo, mas só de tabela. Ah, sei lá até sei porque eu vou lá, pô, minha vida tá maior dificuldade, só reclamação, a Josete não me entende, caralho paguei maior grana pros médicos fazerem a ligação de trompa, e não ter mais nenhum pivete, será que ela não vê que a gente não tem condições de bancar mais ninguém, será que ela queria mais uma criança, será que ela queria um menino para me dar de presente? Você acha que eu ia avisá-la? Sem chance! Ela não iria entender nada e ainda por cima era capaz de denunciar os médicos. Sei lá, posso até perder aquela mulher, mas daqui pra frente tenho certeza que não vamos passar nenhum perreio por causa da gravidez. Ela tinha vontade de comer tudo, a mina ficou maior baleia, não sabia o que eu fazia pra mina parar de comer, comia um panetone com um pote de sorvete por noite. Cara pra pagar o cara da padaria foi embaçado, mais de 300 paus por mês de doces, sorvetes, chocolates. Foi foda, falei comigo mesmo, “sem chance não dá pra bancar esse dragãozinho”. Então foi rapidinho pra fechar com os médicos, dei uma idéia de louco na enfermeira que ela fazia o pré-natal no posto de saúde aqui do bairro.

Vixe, a mina caiu na primeira idéia! “A operação custa 3 mil reais e aí você topa?” Chorei pra caracas e acabou saindo por um pau e oitocentos. Literalmente virei dos avessos pra pagar, cobri férias de um segurança que trabalha no prédio vizinho aqui do trampo. Pintei umas casas na favela vizinha de casa. Cara, não moro na favela, mas num cortiço que não é muito diferente, a diferença é que eu tenho que pagar água, luz e gás. Logo mais vou morar na favela de peito aberto. Foi assim só assim mesmo pra levantar um verba.

A Josete tá foda ultimamente. As crianças estão por aí, de manhã a Van vem pegá-las e levá-las para a escolinha da prefeitura e ficam lá o dia inteiro e aí a minha mulher fica o dia inteiro na cama.

Mas vamos pro corri, hoje é quarta-feira e o bicho vai pegar no trampo, espero atender um monte de nego e ganhar uma grana legal pra poder tomar uma e ir no jogo do Corinthians no domingo. O Timão é foda, só assim pra viver. Água, luz e o telefone a gente vê depois.

* Jornalista

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