Renúncia e
compreensão
As pessoas, em geral, apegam-se
excessivamente às coisas. A um carro, a uma casa, a um barco, a um livro e
principalmente àquilo que lhes possibilita adquirir todos esses objetos: o
dinheiro. Mais da metade do tempo de nossa vida gastamos na tentativa de
conseguir esses bens. Pretextos não faltam para justificar essa atitude. Agimos
como se da sua posse dependesse a nossa sobrevivência. Não depende. Precisamos
de poucas, pouquíssimas coisas para viver. Para obter os objetos dos nossos
desejos, não titubeamos em sacrificar valores que realmente importam: amor,
amizades, solidariedade, etc. Isto quando não transgredimos a moral ou as leis.
Perdemos a grandeza com a perda da perspectiva.
Alguns, em determinado instante das
suas vidas, têm um lampejo de lucidez, um momento de iluminação, um clique
mental e compreendem a inutilidade desse perpétuo juntar. A maioria, releva
essa percepção, esquece-a, e continua na mesma toada até a morte. Há, contudo,
os que dão uma guinada de 180 graus. Revêem seus conceitos, reciclam suas
crenças, renovam seus valores. E dão o grande, o magnífico, o doloroso passo da
renúncia. Os que os cercam não entendem nada. Acham que essas pessoas
"piraram", perderam o bom-senso, se tornaram caducas. O poeta Paul
Valéry, citado por André Maurois em seu livro "Vozes da França",
observa: "Um homem que renuncia ao mundo coloca-se em condições de
compreendê-lo".
Paulo
Setúbal deu esse magnífico passo. Pena que não viveu mais tempo para explicar
melhor essa experiência. Mas deixou um registro escrito dessa dramática
conversão. Li-o, pela primeira vez, em 1958, quando era um garoto de 14 anos.
Aliás, na ocasião, fui obrigado a ler, para fazer um trabalho de escola, na
aula de português, pelo saudoso professor Moisés Prates, no então Ginásio
Adventista Campineiro, em Hortolândia. Reli-o há poucos dias de um só sopro. E
entendi, em toda a sua extensão, a profundidade da mensagem. Refiro-me ao livro
"Confiteor".
Nele, Paulo Setúbal – que ocupou a
cadeira 31, cujo patrono é Pedro Luís, da Academia Brasileira de Letras,
ocupada antes dele por Luís Guimarães Junior e João Ribeiro e depois por
Cassiano Ricardo, João Cândido de Carvalho e Geraldo França de Lima – relata a
sua "estrada de Damasco", a sua iluminação, o seu momento da verdade.
Trata-se de uma obra publicada
"post-mortem" pela Editora Saraiva. É o relato, a confissão íntima, o
corajoso "mea culpa" de um homem doente, com os dias contados, que
sabia que iria morrer, mas que não estava nem temeroso e nem revoltado com essa
dolorosa circunstância. Estava revestido de magnífica serenidade. Teve tempo e
forças e lucidez para rever seus atos, seus conceitos, suas idéias e seus
valores. E foi grandioso, foi íntegro, foi sábio ao ponto de renunciar a um
passado vitorioso, (pelo menos na visão da sociedade) para voltar-se a Deus.
Abriu mão do efêmero concreto para
buscar o que apenas a fé sugere que exista, mas que seria eterno. Cito este
caso, por estar ao nosso alcance e haver prova concreta dele: o livro. Há
inúmeras pessoas que renunciam ao mundo sem deixar vestígios ou testemunhos.
Encerram-se em mosteiros, retiram-se para lugares ermos, mudam até mesmo de
nome. E ninguém, a não serem parentes próximos, fica sabendo dessa decisão.
Paulo Setúbal afirma no
"Confiteor": "O homem, enquanto não enfreia os seus pendores
inatos, enquanto é vaidoso, é soberbo, é vingativo, é iroso, é dominador, é
odiento, é carnal; o homem, enquanto está apenas voltado para as coisas
terrenas, enquanto ama a glória vã, ama o louvor, ama a riqueza, ama o poder,
ama as honrarias; o homem assim...o homem que não tem os olhos virados para os
esplendores espirituais, esse homem é ainda o `homem velho', o das cavernas, o
que não se transformou, o que não se comoveu ante a palavra avassaladora do
Cristo, o que não sentiu a beleza imortal do sermão da montanha, o que não foi
tocado pelo anseio da perfeição”. Até porque, como constatou o rei Salomão na
velhice, após conhecer o auge da riqueza, da glória e do poder: "Vaidade,
vaidade... Tudo no mundo é vaidade..." E como é!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Até mesmo um ato assim de relevante desapego e aparente grandeza pode ocultar algum grau de vaidade. E até de soberba: eu vou pro céu, e os infiéis ficarão queimando no inferno. Sobre o ser humano, nunca se sabe tudo.
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