O crucifixo nos tribunais
* Por
Alfredo Bosi
A retirada dos
crucifixos nos tribunais, recentemente aprovada no Rio Grande do Sul, vem
causando polêmica, o que é de esperar em uma nação em que a maioria se declara
cristã. É matéria que pede reflexão.
0 leitor medianamente
instruído no trato dos Evangelhos sabe que a condenação à cruz sofrida por
Jesus foi decidida em um duplo tribunal. 0 julgamento inicial foi obra do
Sinédrio, órgão supremo dos chamados "doutores da lei", então
sediados em Jerusalém. Não dispondo de poder político, mas apenas religioso, o
tribunal precisou da sanção do governador romano, Pilatos, que acabou cedendo à
pressão sacerdotal e à grita da turba aliciada: lavou as mãos, dizendo que não
queria ser responsável pelo derramamento do sangue de um justo. Poder religioso
coonestado pelo poder político do Império Romano: eis a aliança que levou
Cristo à morte na cruz.
Não nos deve espantar
que um homem inocente, condenado à morte cruenta por um duplo fórum, tenha sua
imagem banida dos tribunais, onde doutores da lei continuam julgando
soberanamente quem deve ser punido ou absolvido. Afinal, deixar pendurado na
parede de um juiz a figura inerme de um réu supliciado é sempre uma triste
prova da injustiça e da crueldade humana.
A questão tem-se
colocado em termos de relação entre crenças religiosas e Estado laico. Nada a
opor. Todo crente que não tenha perdido a memória dos males que advieram do
poder temporal da Igreja, deveria ser favorável a uma saudável separação.
Libera Chiesa in libero Stato, Livre Igreja em Estado livre, propunham os
patriotas italianos em luta contra o Estado pontifício.
A mensagem central dos
Evangelhos é a do anúncio de uma nova dimensão ética, tanto subjetiva quanto
social, que remete às expressões: "0 reino de Deus está em vós e entre
vós". Essa mensagem poderá, ou não, coincidir com os valores professados
pelo Estado. A tentação de exercer o poder temporal, em que tantas vezes caíram
as igrejas, tem de ser superada por todo aquele que acredita na crítica radical
"deste" mundo, feito de violência e arbítrio, com o qual o cristão
deveria viver em permanente tensão.
Carta Capital ,
8/4/2012
*
Professor universitário, crítico e historiador, membro da Academia Brasileira
de Letras.
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