Urgência
de irmã
* Por Celamar
Maione
Sexta feira. Final de tarde, Iracema
pegou a bolsa para sair do salão de beleza onde trabalhava no Centro da Cidade.
O celular tocou. Iracema abriu a bolsa rapidamente, pegou o celular, viu o
número. Era a irmã dela, Ieda:
-Iracema, está indo para a casa agora?
-Sim, a última cliente desmarcou e eu
também não estou me sentindo bem, por que?
-Preciso lhe contar uma coisa. É
urgente.
-Tá bom, fala logo. O que é?
-Não posso. Por telefone não dá. Tem
que ser pessoalmente. Eu estou saindo do trabalho e passo aí.
Iracema tentou argumentar. Queria ir
para casa. Amanhã não trabalhava, já que o salão era no Centro, mas tinha
clientes para atender em casa.
E ainda tinha que fazer o jantar das crianças, do marido.
A irmã insistiu. Tinha que ser naquela
hora. Iracema ainda tentou dar uma idéia:
-Faz o seguinte. fala amanhã. De noite
você vai lá em casa.
Ieda gritou :
-Não! Deus me livre! Na sua casa, não!
De maneira nenhuma! Já guardei muito isso comigo. Tenho que lhe falar hoje.
Agora. Já!
Iracema começou a ficar preocupada. O
que seria de tão grave que a irmã tinha
para falar? Iracema respirou meio contrariada e aceitou se encontrar com a irmã
num bar na Praça Quinze. Quando chegou, a irmã já estava sentada bebendo uma
cerveja. Iracema se aproximou da mesa, puxou a cadeira e foi logo dizendo:
-Vamos, anda logo, fala, não vai dar
para demorar.
-Calma, vamos tomar uma cerveja, relaxar,
você vai precisar. Não tenha pressa.
Iracema perdeu a paciência:
-Ou você fala ou eu vou me embora e a deixo aqui sozinha.
Acho que você tá é maluca.
-Eu estou sem coragem de falar. Estou
bebendo um pouco para tomar coragem. Você vai ficar triste.
Iracema tentou adivinhar:
-Você está com câncer? Se apaixonou por
uma mulher? Seu marido é...
-Pior, pior, vamos, vamos embora. No
ônibus lhe conto tudo. Vamos.
Pagou a cerveja e puxou a irmã pelo
braço. Saíram apressadas. Pegaram o ônibus cheio na volta para a casa. Moravam em Nilópolis Foram em pé. Iracema
reclamou:
-Tá vendo só? Demoramos e agora olha
esse ônibus cheio! Ter que ir nesse ônibus apertado. Mas fala, o que você
queria falar? Dá para falar agora?
O motorista corria. Os passageiros iam
de um lado para o outro se segurando para não cair. “Engarrafamento, início de
noite, sexta-feira, Avenida Brasil, tinha começado a chover, era o caos”, Iracema pensou . Decidiu
pressionar a irmã:
-Fala! Pelo amor de Deus, fala aqui
mesmo!
A irmã então tomou coragem. Só que
assim que Ieda começou a falar, passou uma moto com o cano de descarga solto,
fazendo um barulho ensurdecedor. Iracema gritou:
- Não escutei. Fala mais alto.
Ieda encheu o pulmão e gritou:
SEU MARIDO TEM UMA A-M-A-N.T-E. É DO
TRABALHO DELE. TEM UMA AMANTE.
O ônibus ficou em silêncio. Todos os
passageiros olharam para a cara de Iracema. Alguns procuravam saber quem era a
mulher traída
-Quem é? Marido de quem tem amante? Me
mostra.
Iracema ficou sem graça. Branca, verde,
seus lábios tremiam, não sabia se era por causa da amante do marido ou por
causa da irmã que parecia um carro sem freio e contava a história da amante
para todo mundo ouvir no ônibus sem parar:
-Eu vi os dois entrando num motel. Corri
atrás para investigar, você sabe como eu sou, e ...
Iracema não queria ouvir mais nada.
Disfarçava. Fingia que não era com ela. Pediu licença aos passageiros, foi se
chegando para a porta de saída. Deixou a irmã falando sozinha. Desceu em
qualquer ponto da Avenida Brasil. Zonza. Andava de um lado para o outro. Nem se
importava com a chuva caindo. Pensou
muito. De repente, um sorriso
iluminou o rosto de Iracema.
Pegou outro ônibus. Quando chegou em
casa, o marido esperava Iracema com ar de preocupação:
-Mulher, seus filhos estão preocupados.
Liguei para o celular da sua irmã, ela me disse que vocês se perderam no caminho.
Seu celular fora de área. O que aconteceu?
Iracema, cheia de carinho na voz,
parecendo uma gata no cio, respondeu:
-Nada, amor. Estava só pensando numas
coisas aqui. Que tal amanhã a gente fazer um programa diferente? Um motel?!
O marido estranhou o convite, assim, de
uma hora para outra, mas adorou a idéia e aceitou meio encabulado, meio desconfiando. Sábado à
noite, deixaram as crianças na casa de uma amiga de Iracema e passaram a noite
num motel. Na segunda-feira, quando Jorge chegou em casa, a esposa
esperava por ele com um jantar à luz de velas. Jorge e Iracema nunca
foram tão felizes.
O marido correspondeu à nova fase da
mulher. Eram presentes, passeios, cinemas, jantares. Telefonemas fora de hora.
Nem no início do namoro viveram esse idílio amoroso.
No meio de toda essa felicidade,
Iracema impôs uma única condição ao marido: nunca mais queria ouvir o nome da
irmã em casa.
Descartou qualquer gesto de
aproximação. Quando Jorge, sem entender nada, já que as duas sempre foram tão
amigas, perguntava o motivo, Iracema
respondia, raivosa:
- É uma cobra cascavel! Sempre teve
inveja de mim! E ponto final.
*
Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas
Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador
, mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos. É autora do livro de
contos “Só as feias são fieis” (Editora Multifoco).
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