Por
que ocupam escolas e universidades?
* Por
Urariano Mota
Como sempre, a
televisão, a grande mídia, fala dos danos causados pelos protestos à sociedade.
Essa informação é conhecida: em todo movimento ou greve, mostra-se o quanto a
vida ficou ruim depois dos baderneiros e agitadores. Jamais se mencionam as
razões que levam à desordem. Minto, mencionam, no cumprimento do papel de
“mostrar o outro lado”. Mas pelo tempo exibido, pela ênfase e eloquência, o
outro lado é mínimo frente aos estragos causados. Ensinava Brecht: "Do rio que tudo arrasta, diz-se que é
violento. Mas ninguém chama violentas as margens que o comprimem".
Por que os estudantes
ocupam escolas e universidades? Em busca de respostas, ouço depoimentos como o
de uma jovem na UFPE:
“Estamos aqui em
defesa da educação pública, gratuita e de qualidade, bandeira sob a qual já se
unificam milhares de institutos, universidades e escolas secundaristas, das
redes federal, estadual e municipal, nos tornando um único movimento de
ocupação na educação pública nacional. A PEC 241 – agora PEC 55 – ataca os direitos sociais duramente
conquistados, desmonta o já precário estado
de bem-estar social, impondo um regime de congelamento orçamentário da
União por 20 anos”.
Ao que outros
estudantes continuam:
“Estamos ocupando a
universidade hoje para que amanhã ela não fique esvaziada, para que ela se
encha de mais cor e que essa cor seja o povo. Sabemos que a pec é mais um
ataque à classe trabalhadora, porém cada dia de PEC vai ser um dia de barulho.
Não tem arrego, ousar lutar e ousar vencer é a única alternativa aceitável.
- M., sexo masculino,
28, História
Acho que as ocupações
são um movimento não tão grande quanto o necessário diante dos cortes que a
gente vem sofrendo, mas se crescer em rede, a gente consegue parar o Brasil.
Com relação à organização, acho que a divisão em comissões é bastante prática e
atrelada às atividades da programação, deixam a ocupação praticável.
- P., sexo feminino,
22, Geografia
Acho que as ocupações
têm contribuído bastante para a formação das e dos estudantes envolvidos por
meio das discussões e principalmente do convívio diário, com as divisões de
comissões, que permitem cada pessoa contribuir com seu ritmo. Estamos
construindo vivências que certamente influenciarão bastante em nossas dinâmicas
na universidade e na vida.
- C., pessoa trans,
21, Pedagogia
Construir as ocupações
tem sido uma experiência incrível, em todos os sentidos: político, coletivo, de
formação e pessoal. Além de reunirmos forças e vermos as e os estudantes
despertando mais e mais pro fazer político, vendo estudantes que até então
estavam distantes e apáticas se aproximando, participando, assumindo tarefas.
Uma experiência real de coisas que a gente estuda, experiência de democracia
real, de construção coletiva e de luta em defesa da classe trabalhadora e dos
nossos direitos.
- A., travesti, 28,
Serviço Social
Eu trabalho durante o
dia e só tenho a noite livre, que é meu horário de estudo, e sempre venho para
as ocupações pois acredito que não é o fato de não haver aulas que a
universidade está parada. Pelo contrário, ela está mais viva do que antes. Vejo
muitos debates, palestras, exibição de filmes, sempre com a construção coletiva
e o entendimento que a universidade é nossa, esse espaço é nosso e a luta
também é nossa. Creio que essa PEC seja algo mais nefasto dos últimos tempos
para a nossa educação.
O., sexo masculino,
31, Pedagogia”
Creio que talvez os
estudantes não saibam o quanto são fundamentais à juventude que viveu sob mais
feroz ditadura. Eles retomam o lugar de gerações anteriores. E o que se foi
continua em nova vida pelo fio histórico da indignação. Eles nos falam que
somos agentes da duração do tempo, que a nossa vida é a resistência do fugaz.
Nós só vivemos enquanto resistimos. Então me vem à lembrança o poeta John
Donne, citado por Hemingway na frase “por quem os sinos dobram”. Agora, podemos
reinterpretá-lo: “Por quem os jovens ocupam escolas? Ocupam por todos nós,
enfim”.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho
renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros
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