Uma
poesia ligada aos caboclos
* Por Luiz Carlos
Monteiro
A maioria dos poetas começa fazendo
versos sobre ausência e solidão a partir de formas clássicas. Outra parte
inicia-se logo na antilírica, urbanizada, praticando uma acrobacia espacial no
rumo do ambíguo e do desconhecido. E mais outros ainda recorrem ao verso livre,
talvez por permitir, dentro do que não sabem ou não podem dizer, a ousadia de
intentar dar expressão ao que não traz sentido poético e que assim não se deve
registrar. O poeta recifense Carlos Newton Júnior em seu quinto livro de
poesia, De mãos dadas aos caboclos, mostra porque guarda semelhanças e
diferenças em relação aos grupos de líricos, urbanos e diluidores. O primeiro
salto qualitativo que ele empreende é a habilidade, que atualmente faz muita
falta, no manejo de sonetos, quadras, redondilhas e outras estruturas do metro
clássico, aproximadas à poesia popular de épocas diversas. Depois, reúne ao
lirismo existencial e neo-romântico, exacerbado às vezes, um desempenho que
abarca a poesia do sertão nordestino sem aquelas tentativas forçadas a que
muita gente se arrisca, tendo lá nascido ou não.
Já no primeiro livro, em 1993, O
homem só e outros poemas, além do lirismo incorpora os “Poemas armoriais”,
antecipando uma linhagem sertaneja para sua poesia. O que terá continuidade em
1999 com o longo e fabuloso Canudos: Poema dos quinhentos, não
descoberto ainda pelos poetas, críticos, professores, historiadores e gente
interessada no passado recente de fanatismo, violência e opressão que assolou o
Brasil e a região nordestina em particular. Carlos Newton
reaquece aqui sua inclinação armorial, trazendo a lembrança dos cangaceiros
Lampião e Corisco, dos fanáticos Antônio Conselheiro e João Abade, centrados na
terra sertaneja e suas furnas na caatinga, seus serrotes estratégicos e sua
gente bravia, humilde e injustiçada.
Um dos poemas dedicados a Conselheiro,
como parte de “Visões”, descarna o seu Medo e destemor do mundo, sugerindo mais
que expondo a dimensão beatífica e algo premonitória de sua causa a abrigar ao
redor do Arraial toda uma gente itinerante e desvalida, repudiada e
vilipendiada até o mais baixo da condição humana, sem solução terrena ou
cósmica possível: “Eu não temo a medida, as proporções/ que hoje alcança meu
sonho gigantesco./ Eu não temo a madeira e seus entalhes,/ pois meu pulso é
severo e principesco.// (...) Eu não temo soldados, sentinelas/ do Anti-Cristo,
seus padres, seus espelhos./ Eu não temo a fraqueza dos governos/ - só meus
medos internos, os meus Medos”.
Uma guinada vai se processar nos dois
livros posteriores, Nóstos e Poeta em Londres. Em Nóstos retrabalha certa poesia
homérica e um ludismo concentrado nos bichos, inclusive no homem, na esteira de
um Sergio Campos, poeta carioca precocemente desaparecido. O mote para o
segundo foi uma viagem de vinte dias a Londres em 2002, a convite de um
irmão, visitando museus e galerias, espalhando o fantasma da solidão pelas
esquinas de uma cidade fria e estranha, de tradição poética inconteste e poetas
famosos no mundo todo. Carlos Newton desenvolve, por exemplo, uma visada crua e
metapoética para o tempo e o poema que a ele se entranha, para as vacuidades do
poema e o tempo que dele se desprende.
Os poemas constantes em De mãos
dadas aos caboclos surpreendem o leitor pelo ajuste de contas que o poeta
enceta com a poesia, a vida literária, as posições estéticas assumidas e, como
não poderia deixar de ser, consigo mesmo. Não é possível deixar de se
identificar o lastro de autores que reverencia e reconhece tributariamente.
Aqui reaparecem Homero, Dante, Camões, Rimbaud, Rilke e Maiakovski. Entre os
brasileiros, Ariano Suassuna, João Cabral, Augusto dos Anjos e Carlos Pena
Filho. Em “Sagração”, bloco de trinta poemas, delimita seu espaço como poeta,
ao expor suas numerosas dúvidas e estabelecer umas poucas certezas. Na outra
subdivisão, “De mãos dadas aos caboclos”, sem afastar-se um só passo da poesia
que imaginou para si, retoma o lirismo antigo, a vertente armorial e perfaz um
roteiro telúrico que já vinha se aclarando nos outros trabalhos, como nessa
estrofe que encerra o livro: “De mãos dadas aos Caboclos,/ numa roda que é de
poucos,/ vou compondo, submerso,/ um continente de versos”.
Reafirma-se nos poemas de Carlos Newton
um feitio e uma práxis de poeta que se solidariza àqueles que sempre foram
logrados e aviltados, enganados e sumariamente afastados de parte do processo
político e econômico da sociedade brasileira. Os hábitos simples, a vida
despojada, o respeito à natureza e o temor de um Ser supremo que se incrustam
nos dias daquela gente. Os animais que tanto auxiliam o homem na sua luta
inglória quanto servem de repasto à sua fome. Ao lado disso, o culto de uma
terra que fascina pela beleza de seus sóis e noites de lua, suas árvores
místicas de troncos seculares, seus riachos de águas raras rodeados por
barrancos, areia fina e seixos rolados.
Nem todo escritor se sai bem na
configuração sugestiva dos temas sertanejos. O que não implica em falta de
destreza poética, apenas é exigido um sentimento de maior alcance e
amplitude, uma ligação visceral que passa a envolver o homem e a terra, como no
caso do desenraizado Euclides da Cunha. Dividido entre o Sertão e a vida na
cidade grande, o poeta faz-se um ser em exílio permanente, isto, porém, em nada
diminuindo a força de sua mensagem. Não cede inteiramente aos outros conteúdos
entrevistos e praticados em
versos. Por outro lado, não se afasta também de um projeto
estético maior do que a delimitação idiossincrática de uma temática única.
* Poeta, crítico literário e ensaísta.
Tem sete livros publicados, entre eles O
impossível dizer e outros poemas (2005) e Musa fragmentada – a poética de Carlos Pena Filho (2009).
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