Quem foi o homem Sócrates?
Há séculos que homens de cultura, historiadores, professores
de Filosofia, filósofos e pessoas cultas, as que se interessam por fatos e não
meramente por lendas, tentam saber, em vão, quem foi, realmente, o grego
Sócrates. Não o mito, mas o homem. Fontes para tal até que não faltam, mas todas,
por um motivo ou outro, não são confiáveis, por serem “poluídas”. Uns dos que o
conheceram destacam de tal forma suas supostas virtudes, que chegam,
praticamente, a divinizá-lo. Outros tantos por enfatizarem apenas seus vícios,
idiossincrasias e comportamentos considerados “anormais”, ao fim e ao cabo, “demonizam-no”.
Como, pois, chegarmos ao verdadeiro Sócrates, ao homem, com
seus méritos e deméritos? Entendo que isso jamais será possível, até pela
distância no tempo que nos separa desse personagem. Há, até, quem acredite que
ele nem mesmo existiu. Que se trate de personagem fictício, criado tanto pelos
que só dizem coisas boas a seu respeito, quanto pelos seus detratores. Tolice,
claro. Para mim, isso é um grande disparate. Documentos da antiga Atenas, que
chegaram até nós, comprovam, fartamente, sem sombra de dúvidas, que Sócrates,
pelo menos, “existiu”.
Mas... quem foi ele, sem os excessos cometidos tanto por
seus fidelíssimos seguidores, e portanto defensores, quanto por seus inimigos
acérrimos, ferozes detratores? O único jeito é darmos crédito a uns ou a
outros. Ou a tirarmos uma “média” do que escreveram os que o defenderam e os
que o atacaram. Não há outra maneira.
Observe-se que detalhes sobre a vida de Sócrates derivam de três fontes
contemporâneas dele: os diálogos de Platão e de Xenofonte (ambos seus discípulos) e as
peças de Aristófanes.
Certamente, outros tantos escreveram sobre ele, defendendo-o
ou atacando-o. Mas quem foram eles? Se existiram (e creio que sim), seus textos
se perderam no tempo e não chegaram até nós. Ademais, não há evidências de que
Sócrates tenha, ele mesmo, publicado alguma obra. Provavelmente não publicou.
Alguns autores defendem que ele não deixou nada escrito pois, além de na sua
época a transmissão do saber ser feita, essencialmente, pela via oral, ele
assumia-se como alguém que “sabe que nada sabe”. Assim, para Sócrates, a
escrita fecharia o conhecimento, deixando-o de forma acabada, amarrando o seu
autor ao estrito contexto de afirmações inamovíveis. Se essas afirmações
contemplassem o erro, a escrita não só o perpetuaria como garantiria sua
transmissão.
A imagem que o dramaturgo ateniense, Aristófanes, traça do mítico
filósofo é feroz e implacavelmente negativa. É certo que seu objetivo era o de
fazer humor. Todavia, o que conseguiu traçar, em vez de um perfil, mesmo que
aproximado, de seu desafeto, foi uma caricatura inverossímil e ostensivamente
maldosa. Não dá, portanto, para levá-lo a sério. Nenhum imbecil maluco, como
Aristófanes caricatura Sócrates, arrebanharia, por exemplo, tantos, tão
ilustres e tão respeitáveis discípulos como ele o fez. É verdade que o
comportamento do filósofo era, para dizer o mínimo, “exótico”, o que Platão e
Xenofonte até admitem. Por exemplo, ele andava descalço, com o peito nu e
vestindo andrajos, que o faziam parecer um mendigo. Além do que, detestava
tomar banho. Aristófanes pintou-o como um sujeito amalucado, desses chatos que
abordam estranhos nos momentos mais inoportunos, bombardeando-os com perguntas
absurdas e incabíveis.
Escreveu, ainda, que em certas ocasiões, Sócrates parava o
que quer que estivesse fazendo, ficando imóvel por horas, meditando sobre algum
problema. Platão também cita isso, mas considera essa uma característica positiva
de seu mestre. Narra, inclusive, em um de seus diálogos, que certa vez seu
mestre fez isso descalço sobre a neve, o que, no seu entender, demonstrava o caráter de autodisciplina de seu mentor. Aristófanes
zombou do filósofo, sobretudo na peça “As nuvens”, ao narrar: “Quando Sócrates
observava a lua para estudar o curso e as evoluções dela, no momento em que ele
olhava de boca aberta para o céu, do alto do teto uma lagartixa noturna, dessas
pintadas, defecou na boca dele”. E o tonto achava que essa citação escatológica
era engraçada. Talvez o fosse para imbecis, como ele.
Em outra narrativa, Aristófanes descreve Sócrates pendurado
numa cesta, observando os ares e contemplando o sol. E diz que o filósofo justificou
isso “pela necessidade de elevar seu espírito e elevar seu pensamento sutil com
o ar igualmente sutil”. Claro que só pode ser brincadeira, e de péssimo gosto.
Pior é que há quem acredite nessa sua maldosa versão. Em “As nuvens”, o
dramaturgo põe esta justificativa na boca de Sócrates, para fazê-lo parecer um
estúpido completo: “Se eu tivesse ficado na terra para observar de baixo as
regiões superiores, jamais teria descoberto coisa alguma, pois a terra atrai
inevitavelmente para si mesma a seiva do pensamento. É exatamente isso que
acontece com o agrião”; Ora, ora, ora...
Prefiro crer nas versões de Xenofonte e, sobretudo, de Platão
(que me proponho a comentar oportunamente). Mesmo dando o devido desconto ao
entusiasmo de ambos. Queiram ou não seus detratores, sobretudo o feroz Aristófanes,
foi o pensamento socrático que mais marcou o nascimento da filosofia clássica.
Sua maior contribuição foi o método que criou para se chegar às grandes
verdades. Sócrates foi tão incisivo, e tão didático em seus ensinamentos que
influenciou duas gerações de sábios, continuadores de suas revolucionárias idéias.
Foram os casos, claro, de seu fiel pupilo, Platão e, sobretudo, o do discípulo
deste, Aristóteles.
Boa leitura.
O Editor.
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Digamos que daqui a cem anos (e não quase 2500 como no caso tratado), uma pessoa pesquisasse e fosse escrever sobre quem foi Lula. Para citar apenas uma fonte, o Facebook, por exemplo, caso o pesquisador abraçasse a direita, só leria horrores, mas se desse prioridade à esquerda, no pesquisado não acharia defeitos.A média poderia se aproximar bem mais da verdade.
ResponderExcluirEscrever sobre Jesus? Ateus ignorantes disseram que Jesus nunca existiu!!!
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