O semeador e as sementes
* Por
Urda Alice Klueger
(Para o Bruno)
Faz muito tempo que o
jovem semeador saiu semeando.Usava uma roupa de seda cor de maçã e um
passarinho branco ao ombro, e portava no rosto o sorriso mais amplo e belo que
já se vira sob o sol e, nas mãos, um aparelho antigo chamado gravador, que era
como um tipo de arado cheio de música. Num alforje, carregava as sementes que
suas mãos bem feitas e profícuas iam espalhando por onde passava – tão jovem
ainda, e como já sabia semear!
Suas sementes foram
medrando pelo caminho – quantas se perderam, mesmo que ele as tenha semeado com
tanto afinco e ardor – houve aquelas, também, que foram lançadas em solo
fértil, mas onde a chuva não caía, e feneceram antes do tempo, antes de terem
forças suficientes para a vida. Algumas, no entanto, germinaram e despontaram
para o sol com toda a força possível, e como o semeador ficou feliz!
Ele pode ver o
nascimento das suas sementes, e as regou, e juntou bocadinhos de terra às suas
raízes, e as cercou com cercadinhos de cuidados e sombras de proteção, e já se
punha a imaginar como elas seriam quando crescessem, como cuidaria dos pequenos
caules que procuravam a luz, e das cabeleiras de folhas que se pareciam com
folhas de plátanos, tão leves, luminosas e reverberantes eram, e ele amava
profundamente aquelas plantinhas nascidas da sua semeadura de primavera, e eram
tão grandes os seus projetos de vida para elas!
Não sabia o semeador
que aquelas plantinhas teriam que crescer sem ele – assim, de inopino, de forma
totalmente inesperada, a afiada foice de um agricultor inesperado que fazia sua
colheita se enganou e o ceifou junto com os caules do seu campo de trigo, e
como o trigo maduro, o jovem semeador também caiu ao solo para já não se
levantar, engano de colheita que o colheu antes do tempo.
Foi triste e
complicado para aquelas plantinhas vencerem os desafios de crescerem e viverem,
agora que já não havia o semeador a protegê-las. Ficou ali por perto, caído no
campo, aquele arado musical, e havia uma que se aferrava aos seus sons para se
consolar das saudades do semeador, inexoravelmente ceifado por aquele homem que
ceifava seu campo de trigo. Aquela tão inesperada violência não tinha volta, e
as plantinhas tenras só sobreviveram porque assim queria a natureza, afrontando
os ventos e as chuvas já sem os cercadinhos de cuidados com que o semeador as
protegia, já sem o amor que o semeador tinha por elas, porque fora ele quem as
semeara.
Então, muito tempo
depois, chegou o tempo de as plantinhas frutificarem e elas o fizeram, e novas
sementes caíram ao chão e germinaram, e como teria ficado feliz o semeador ao
saber que vingava no campo uma nova geração de sementinhas que haviam tido
início com a semeadura primaveril dele!
E as novas plantinhas
cresceram, e agora já é tempo de, por sua vez, frutificarem. Já há plantinha
cuidando de preparar seu pedacinho macio de campo para continuar a obra do
semeador – e então, aquele passarinho que ele carregava no ombro, de vez em
quando passa ali perto da plantinha, vê como ela está fazendo tudo certo, e num
voo de flecha riscando o céu, vai até onde o semeador descansa e lhe conta como
tudo está bem, como a semeadura primaveril dele não ficou perdida, e então ele se emociona e
abençoa às suas sementes, as que estão e as que virão, e o ciclo da vida
continua.
Era uma vez, faz muito
tempo, um semeador tão jovem...
Blumenau, 17 de Maio
de 2015.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre
os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12
edições).
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