Grande Hotel
* Por
Marcelo Sguassábia
Chego um pouco antes
do horário estipulado para o check-in. Dou um tempo no bar do hotel, que tem um
enorme “Hipotálamo’s” em neon azul piscando na porta.
Meia hora e duas taças
de vinho depois, adentro o aconchegante salão do cerebelo. Sento-me num sofá de
córtex e abro o jornal do dia, ainda intocado sobre a mesinha de centro. Avisto
de lá o saguão lotado. Pelo menos umas 70 pessoas, vestindo túnicas verde-água,
buscam alojamento na memória. Querem acomodação a todo custo, mas poucas são
aceitas pela recepção.
- Temos que ser
seletivos, infelizmente não há lugar para todos.
- Mas eu fiz
reserva...
Na recepção também
ficam as chaves dos acontecimentos, alinhadas para facilitar o acesso quando
necessário.
Escadas em caracol
fazem a comunicação entre três imensuráveis pavimentos. São dezenas de quartos,
cada um deles contendo 365 dias vividos. Pelos corredores há quadros de pessoas
e lugares. Uns estão impecavelmente conservados, a tinta ainda parece fresca.
Outros têm carunchos nas molduras, as cores perderam o brilho e a tela está
puída em vários pontos.
Chamo o elevador junto
ao boy com o carrinho de malas. Ajeito a bagagem no armário da suíte e mergulho
na banheira.
É boa e reconfortante
a sensação de estar envolto em massa cinzenta, morna e homogênea. Desliza nesse
momento pelos ombros toda a tabuada do 8, enquanto o Chimarrão, meu primeiro
cachorro boxer, surge refletido em preto e branco no espelho.
Pouco depois desço ao
refeitório, onde todos alimentam vorazmente suas lembranças. Fatos aparentemente
esquecidos estão dispostos em baixelas de prata e taças de cristal. Um garçom
me serve águas passadas e entrega a comanda para rubricar.
A equipe de monitores
se aproxima de minha mesa e anuncia a sessão de cinema às três, na glândula
pituitária. Quinze imensos telões mostram imagens de webcams flagrando em tempo
real o comportamento dos neurônios.
Sigo as placas
indicativas para o salão de jogos. Um sujeito alto, uma espécie de crupiê
trajando smoking, é quem dá as cartas. Está o tempo todo de costas, impossível
ver o seu rosto.
Na piscina, um tobogã
vai atirando um sem número de pessoas na água, uma após outra, em estonteante
velocidade. O avô que só conheci por fotografia, a mãe aos 15, o pai aos 25, a
vizinhança, amigos e inimigos, celebridades e gente vista unicamente de
relance.
Anexa ao complexo
aquático, a sala de massagem oferece uma nova técnica de relaxamento, à base de
impulsos elétricos. Após exame médico, o hóspede aguarda a próxima sinapse numa
espreguiçadeira revestida em tecido felpudo com o logo do Hotel.
Há um aviso em letras
garrafais numa das paredes do deck, um pouco abaixo da bóia salva-vidas:
“Pedimos aos senhores
hóspedes que não transitem entre o hemisfério esquerdo e o direito sem
autorização prévia da gerência”.
Feito o tour de
reconhecimento, me aninho ali, numa dobra de miolos rente à sauna a vapor. Viro
de um lado para o outro, estico as pernas, puxo as cobertas e pego no sono.
Ronco longa e ruidosamente, a ponto de colocar em alerta todo o sistema nervoso
central.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
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