Dona Flor e os dois maridos
O que é mais importante para uma mulher “normal”: um marido
boêmio, eternamente desempregado, beberrão, jogador, mas, como se diz no
popular, “bom de cama”,ou um parceiro totalmente oposto, que seja calmo,
equilibrado, responsável, bom provedor (desses que não deixam faltar nada em
casa) e ainda, de quebra, diligente poupador, contudo, na hora do sexo...
monótono, trivial, incompetente, desses que o fazem praticamente por pura
obrigação? A maioria, provavelmente, apontará o segundo, embora no íntimo,
sonhe com o primeiro. O ideal, claro, seria um que reunisse a competência
sexual do primeiro, mas as outras características todas do segundo. Mas... nem
todas conseguem alguém assim. Não posso jurar que seja a regra, mas também não
garanto que não seja.
Poucas, pouquíssimas, raras, raríssimas mulheres conseguem
concretizar esse desejo (ou fantasia?), que Florípedes Paiva conseguiu, posto
que de forma totalmente fora do mundo, diria mágica. E quem é essa figura que
teve a ventura, ou desventura (sabe-se lá!) de conseguir essa façanha? É uma
das personagens femininas realmente inesquecíveis, criada pela pena inspirada
de ninguém menos que Jorge Amado. Refiro-me à protagonista do romance “Dona
Flor e seus dois maridos”, datado de 1966, grande sucesso não somente
literário, mas também do cinema (onde teve várias versões), teatro e televisão.
Alguns podem encarar a situação dessa protagonista como caso
de bigamia. Mas nenhum juiz condenaria a bígama pelo delito. Por que? Porque um
dos dois “maridos” dela não passa de um “fantasma”, de alguém que já morreu
fisicamente, mas que, por se tratar de um filho de Exu, seu espírito retorna
para atormentar a saudosa viúva. No princípio, é verdade, ela até que tenta
resistir ao seu assédio. Mas... ao fim e ao cabo, a mulher finda por se render
aos instintos. Só ela, exclusivamente ela, pode ver o parceiro malandro, boêmio
e beberrão, mas “bom de cama”, morto. Vamos pôr ordem nesta confusão que fiz.
Florípedes Paiva era casada com Vadinho, um sujeito que pai nenhum escolheria
para ser seu genro.
Este, como adiantei, gostava de tudo o que era errado e proibido,
Detestava, claro, o trabalho. Era beberrão, mulherengo, boêmio e voltava,
invariavelmente para casa embriagado, carregado por colegas de farra, sob
apupos da criançada da rua. Era uma vergonha! Não titubeava em se apossar das
economias que a mulher fazia dando aulas de culinária, na escola de sua
propriedade chamada de “Sabor & Arte”. E quando ela resistia e tentava
evitar a pilhagem ao seu pecúlio, Vadinho não relutava em dar-lhe algumas palmadas.
Todavia, na cama... era insuperável. Levava Flor às nuvens, em delírios de
gozo. Essa vida desregrada do malandro, no entanto, cobrou, como seria de se
esperar, seu preço. O vagabundo contumaz, beberrão irrecuperável e jogador compulsivo,
sofreu, sem essa ou mais aquela, súbito peripaco,
e em pleno carnaval de rua de Salvador. E... morreu..
Flor ficou inconsolável. Apesar dos pesares, era
apaixonadíssima pelo marido. Não tardou, porém, para que sua beleza e
sensualidade, seus modos discretos e suas muitas virtudes, despertassem o
interesse do farmacêutico Teodoro, que num piscar de olhos, se descobriu fulminado
de paixão pela desejável viúva. Em suma, depois de cortejá-la, como era de
praxe e de namorar com ela, de acordo com os costumes das boas famílias,
propôs-lhe casamento e... Flor aceitou. O novo marido, todavia, era o oposto do
anterior, para o bem e para o mal. Ao contrário de Vadinho, Teodoro era pacato,
religioso, gentil, responsável, trabalhador e econômico. Ou seja, o tipo de
homem capaz de dar estabilidade e segurança a qualquer mulher. Só que... por
ser de idade um pouco avançada e bastante conservador, o farmacêutico não
conseguia satisfazer sexualmente Dona Flor e nem se preocupava com isso. Na
verdade, nem desconfiava que ela estivesse insatisfeita. E a comparação entre o
marido morto e o novo, por parte da mulçher, foi inevitável.
Embora tentasse não pensar nisso, a viúva fogosa e saudável
pensava cada vez mais em Vadinho. Até que... subitamente este lhe aparece e a
seduz. Mostra-se capaz de realizar as mesmas coisas que fazia na cama quando
estava vivo, até em presença, no mesmo leito, de Teodoro, que não o vê. Flor hesita entre se manter fiel ao novo marido
ou ceder ao espírito do primeiro. O que você, leitor, que eventualmente não
tenha lido o livro, acha que ela fez? Isso mesmo. Cedeu aos instintos. E
manteve a bigamia, já que só ela e mais ninguém tinha conhecimento disso.
Interessante é a descrição que Jorge Amado faz dessa mulher
tão “normal”, contrariando o conceito de normalidade que muitos possam ter. "Pequena
e rechonchuda, de uma gordura sem banhas, a cor bronzeada de cabo-verde, os
lisos cabelos tão negros a ponto de parecerem azulados, olhos de requebro e os
lábios grossos um tanto abertos sobre os dentes alvos. Apetitosa, como
costumava classificá-la o próprio Vadinho em seus dias de ternura, raros talvez,
porém inesquecíveis”. Eu me apaixonaria por essa mulher, mas, ao contrário de
Teodoro, buscaria satisfazer todas suas fantasias e todos seus gostos eróticos.
E você? Por tudo isso, Florípedes Paiva,
ou simplesmente Dona Flor, é uma dessas personagens femininas absolutamente
inesquecíveis, tão logo a venhamos a conhecer.
Boa leitura.
O Editor.
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Jorge Amado conseguiu fazer várias musas inesquecíveis. Costumo não me esquecer de Tereza Batista Cansada de Guerra. Já que o assunto é sexo, ela assustava-se com o senhor que a possuía naqueles dias e gritava ao ver "o membro" (termo de Amado) após o ato: "é a guerra!"
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