Machado de Assis e as escolas literárias
Os críticos literários e professores de Literatura têm
enorme dificuldade em enquadrar a obra de Machado de Assis em alguma escola e
divergem, portanto, nesse aspecto. O escritor foi “Romântico”, como suas
primeiras poesias e romances iniciais sugerem? Bem, no início de carreira até
pode ser caracterizado como tal, embora já fosse possível detectar, aqui e ali,
características realistas. Quer dizer, então, que pode ser classificado como
realista? Às vezes sim, às vezes não. Porquanto, mesmo nessa fase, produziu
obras com nítidas feições impressionistas. Então dever ser classificado na
escola impressionista? A rigor não! Notam-se várias características, que mais
tarde seriam desenvolvidas por outros tantos escritores, aos quais influenciou,
típicas do modernismo. Como, pois, enquadrar a obra de Machado de Assis?
Pergunto: afinal, é preciso?
Digamos que sim. Esclareço que esse enquadramento da obra de
qualquer escritor na escola literária “x”, “y” ou “z” tem, apenas, única
finalidade: sistematizar seu estudo. Esta não é preocupação do romancista,
contista, poeta, novelista, ensaísta etc. quando escreve seus livros. Isso nem
lhes passa pela cabeça. O escritor escreve de acordo com seu estilo, seus
conhecimentos, suas experiências e vai por aí afora. As “escolas literárias”
não são como se fossem ideologias políticas, como Capitalismo ou Comunismo, que
o sujeito abrace e defenda até com a vida. Tal caracterização compete apenas
aos críticos, aos teóricos e aos professores de Literatura. É um aspecto que
nunca passa pela cabeça do escritor. Não existe, pois, obra arcaica, somente
pelo fato de, embora ser escrita hoje, se enquadrar em determinada escola
considerada ultrapassada. O que há é livro excelente, bom, regular ou ruim,
independente de qualquer classificação.
Entendo, sem exagero, que para caracterizar a obra de
Machado de Assis – e somente para efeito de estudo, reitero – se faz necessária
a criação de nova categoria, de escola que fuja dos padrões de todas
existentes. Seria qualquer coisa como “Roman-natura-impressio-modernista” ou algo
que o valha. O rótulo é o que menos importa. Sei que esta minha colocação é
polêmica e, provavelmente, despertará a ira dos que se arrogam donos da
verdade. Que seja! Sustento-a, por ser baseada na lógica.
A propósito do estilo machadiano (ou seriam estilos?),
encontrei interessante avaliação na enciclopédia eletrônica Wikipédia. Não dou
o devido crédito ao autor, pois não sei quem ele é. Contudo, identifico a fonte,
para deixar claro que o texto não é meu (embora concorde integralmente com
ele). Esse anônimo analista afirma: “A obra de Machado de Assis assume uma
originalidade despreocupada com as modas literárias dominantes de seu tempo. Os
acadêmicos notam cinco fundamentais enquadramentos em seus textos: ‘elementos
clássicos’ (equilíbrio, concisão, contenção lírica e expressional), ‘resíduos
românticos’ (narrativas convencionais ao enredo), ‘aproximações realistas’
(atitude crítica, objetividade, temas contemporâneos), ‘procedimentos
impressionistas’ (recriação do passado através da memória), e ‘antecipações
modernas’ (o elíptico e o alusivo engajados a um tema que permite diversas
leituras e interpretações)”.
A seguir, pondera: “Se, por um lado, os realistas que
seguiam Flaubert esqueciam do narrador por detrás da objetividade narrativa, e
os naturalistas, a exemplo de Zola, narravam todos os detalhes do enredo,
Machado de Assis optou por abster-se de ambos os métodos para cultivar o
fragmentário e interferir na narrativa com o objetivo de dialogar com o leitor,
comentando seu próprio romance com filosofias, metalinguagens, intertextualidade.
Em tom absolutamente não-enfático, neutro, sem retórica, as obras de ficção
machadianas possuem na maior parte das vezes um humor reflexivo, ora amargo,
ora divertido. De fato, uma de suas características mais apreciadas é a ironia,
que os estudiosos consideram a ‘arma mais corrosiva da crítica machadiana’. Num
processo próximo ao do ‘impressionismo associativo’, há de certo uma ruptura
com a narrativa linear, de modo que as ações não seguem um fio lógico ou
cronológico, mas que é relatado conforme surgem na memória das personagens ou
do narrador”.
E, finalmente, conclui: “Sua mensagem artística se dá por
meio de uma interrupção na narrativa para dialogar com o leitor sobre a própria
escritura do romance, ou sobre o caráter de determinado personagem ou sobre
qualquer outro tema universal, numa organização metalinguística que constituía
seu principal interesse como autor”. Mais adiante, em outro parágrafo, aduz:
“Sua preocupação no psicologismo das personagens obrigavam-no a escrever numa
narrativa lenta que não prejudicasse o menor detalhe para que este não
comprometesse o quadro psicológico do enredo. Sua atenção desvia-se comumente
do coletivo para ir à mente e à alma do ser humano — fator denominado
‘microrrealismo’. Por conta destas características, Machado criou um estilo
enxuto que os acadêmicos chamam de ‘quase britânico’. Sua economia vocabular é
rara na literatura brasileira, ainda mais se procurada em autores como Castro
Alves, José de Alencar ou Rui Barbosa, que tendem ao uso imoderado do adjetivo
e do advérbio. Embora enxuta, não era adepto de uma linguagem mecânica ou
simétrica, e sim medida por seu ritmo interior”.
Em suma, em qual escola se deve, ou se pode enquadrar a obra
de Machado de Assis, com a ressalva que esse enquadramento se destina,
exclusivamente, a situá-la, para efeito de estudo, na história da Literatura
Brasileira? Bem, posso sugerir três opções. A primeira é enquadrá-lo em
“todas”, identificando os livros que tenham as características de cada uma. A
segunda, é criando uma “nova”, fundindo todas elas, como sugeri acima. E,
finalmente a terceira é “em nenhuma”, dedicando-lhe extenso capítulo á parte,
ressaltando seu pioneirismo nas letras nacionais. Afinal, não por acaso,
Machado de Assis é apelidado de “Bruxo”, capaz, portanto, das mais inusitadas e
incríveis bruxarias.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Parece, pela complexidade deste seu texto, Pedro, que é mesmo impossível amarrá-lo numa só definição. Pensando aqui.
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