A negritude de Machado de Assis
O renomado crítico literário norte-americano Harold Bloom
considera Machado de Assis o maior “escritor negro do mundo, e de todos os
tempos”. Situa-o entre os cem grandes gênios da Literatura e destaca que é,
também, um dos grandes injustiçados, pois o reconhecimento que lhe é tributado
não condiz com sua grandeza e genialidade. Escreve, em determinado trecho do
prefácio de seu livro “Gênio: Os 100 autores mais criativos da história da
literatura” (tradução de José Roberto O’Shea; Revisão de Marta M. O’Shea,
publicado no Brasil em 2003 pela Editora Objetiva) que o escritor brasileiro
redigiu sua obra-prima, que para ele é o romance “Memórias Póstumas de Brás
Cubas” em um contexto “do Brasil escravagista, ele próprio neto de
escravos libertados”. E pondera: “Porém, Machado, ironista genial, jamais ataca
a sociedade diretamente, mas através de uma comédia astuta e um niilismo
intimidante”.
Até aí, tudo bem. Há praticamente consenso da crítica
internacional em torno dessa avaliação de Harold Bloom. Mas há, também,
divergências. Não em relação à sua competência literária ou à sua genialidade. O
“pomo da discórdia” é a “negritude” de Machado de Assis. Muitos críticos
brasileiros e estrangeiros negam que ele se trate de “escritor negro”, como se
isso fosse alguma ofensa, algo que pudesse, de alguma forma, diminuí-lo. Claro
que não diminui. Da minha parte concordo, embora em parte, com Harold Bloom.
Até porque sua negritude é algo que não se pode negar. O escritor era mulato e
neto de ex-escravo. Entendo, todavia, que esse é um fator a mais para valorizar
sua genialidade e não eventual aspecto negativo. Assino embaixo, portanto, da
afirmação do crítico norte-americano de que Machado de Assis foi “o maior
literato negro surgido até o presente”.
O tradutor, também norte-americano Gregory Rabassa, todavia,
contesta a tal negritude do autor de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Contudo,
não com os argumentos dos racistas. Entende que o escritor não centrou sua obra
em questões raciais (e não centrou mesmo), antes refletiu a alma e o jeito de
ser de todo um povo, indiferente à sua etnia, à cor da pele dos personagens que
criou. Classificou-o como autor “que traduz a si mesmo”. Considera-o,
sobretudo, “sábio”. E concorda, entusiasticamente, com Harold Bloom quando o
inclui entre os grandes da literatura universal. Neste caso específico, creio
que a verdade está no meio. Ambos mestres estrangeiros estão certos em suas
avaliações, dependendo do ponto de vista que se tome. Se considerarmos a origem
étnica de Machado de Assis, Bloom está corretíssimo em classificá-lo como
“negro”. E mais ainda, quando o alça à condição de o maior escritor
afrodescendente do mundo, em todos os tempos.
Todavia, se a análise tomar como base exclusivamente a
temática machadiana, a razão estará com Rabassa. Este assegura, com pleno
conhecimento de causa, que o autor de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” não foi
“só” um escritor negro, mas, sobretudo, “um escritor brasileiro”. Como se vê, a
controvérsia é apenas questão de semântica, de rótulo, podemos assim dizer. É
possível que algum leitor desconheça quem é Gregory Rabassa. Para esses,
informo que se trata de renomado tradutor de escritores latino-americanos para
o inglês. Domina com perfeição, além da língua do seu país, o espanhol e o
português. Escritores brasileiros como Jorge Amado, Clarice Lispector e Machado
de Assis devem a ele o fato de se tornarem conhecidos nos Estados Unidos.
Aos 93 anos de idade (nasceu em Yonkers, no Estado de Nova
York, em 9 de março de 1922), firmou reputação na sua especialidade. Desde que
traduziu “Cem anos de solidão”, de Gabriel Garcia Marquez, passou a ser
conhecido pela alcunha de “O Tradutor”, o que diz, por si só, de sua
competência. É filho de imigrantes cubanos e, em 1967, ganhou o Prêmio Nacional
do Livro, pela tradução de “O jogo da amarelinha”, do argentino Júlio
Cortazar. Apesar da idade avançada,
Gregory Rabassa continua ativo como funcionário do Departamento de Tradução do
Queens College, de Nova York.
Todavia, esse profundo conhecedor da literatura
latino-americana (e, portanto, também da brasileira) não é somente tradutor. É,
também, ensaísta e crítico literário. Tem, inclusive, um livro em português,
publicado no Brasil, posto que certamente esgotado, pois foi lançado por aqui
em 1965. Trata-se de obra bastante significativa intitulada “O negro na ficção
brasileira”, que pode ser encontrada nos melhores “sebos” do País e que
recomendo aos amantes da boa literatura. O próprio título do seu livro sugere
que ele é especialista na matéria. Pode, portanto, opinar de cátedra, de forma
abalizada sobre Machado de Assis e concluir, com maior propriedade do que
Harold Bloom, que o Bruxo do Cosme Velho foi muito mais do que apenas um
escritor negro: foi um escritor brasileiro.
Boa leitura.
O Editor.
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Já que conhece muito de literatura, e está falando da raça de Machado de Assis, faço a pergunta: há algum Japão-descendente de passagem marcante na literatura brasileira?
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