domingo, 27 de setembro de 2009




Vitória sobre o medo

* Por Pedro J. Bondaczuk


O medo, que na definição de Emílio Mira y Lopez é um dos "quatro gigantes da alma" (ao lado da ira, do amor e do dever), quando físico e na dosagem correta, é um dos mais eficazes mecanismos de proteção do homem. É instintivo e protetor. Impede, por exemplo, que uma pessoa salte sem pára-quedas de grandes alturas, ou que coloque a mão no fogo e sofra queimaduras profundas, ou que enfrente com as mãos desarmadas uma fera selvagem. ou que faça outras loucuras, que coloquem em risco a sua integridade orgânica e a própria vida. Em sua intensidade máxima, é conhecido como terror. Aí, torna-se nocivo. Tende a ficar incontrolável e deixa de proteger o indivíduo, para se transformar em agudo risco. Dependendo das circunstâncias, pode até matar quem se vê dominado por ele.

Mas há uma outra espécie de medo que é sempre negativa, por inibir o que temos de melhor: a criatividade. É o de assumir responsabilidades, de se expor, de produzir obras novas, de explorar campos desconhecidos em busca de novidades e, em última análise, de viver em sentido pleno.

Neste caso, o fator inibidor é o temor do ridículo, do fracasso, da chacota, da opinião alheia. Geralmente esse sentimento é ditado pela vaidade exacerbada, que pode ter também um efeito oposto ao receio da exposição. Ou seja, pode cegar o indivíduo a tal ponto que ele não perceba que faz um papel de tolo, que é objeto de riso dos que o cercam e que a superioridade que busca ostentar existe apenas na sua cabeça.

Qualquer desses comportamentos é nocivo e às vezes fatal para quem pretenda ser um escritor. Por que? Porque a matéria-prima do artista é a emoção. E para projetá-la em seus personagens, ou perpetuá-la em versos, em sons, em traços e em cores, é preciso, logicamente, que a tenha sentido. E quanto em maior quantidade e com mais variedade a tenha, melhor.

Quando se escreve o que não se vivenciou, por mais bem elaborado que seja o texto, por mais estudado que seja o assunto, por mais hábil que seja a argumentação, por mais precisas que sejam as palavras utilizadas, o leitor perceberá de imediato sua artificialidade. Tal escrita irá soar falsa, pretensiosa, hipócrita, vazia de conteúdo.

William Faulkner escreveu em um ensaio que "só quando o escritor perder o medo ele poderá escrever suas grandes obras". É preciso que perca todos os escrúpulos e desnude a alma em público. Que se exponha tal e qual é, sem disfarces ou retoques. Para isso, são necessários aguçado senso de autocrítica, absoluta sinceridade, total disposição em se revelar e, para tanto, o pressuposto básico é que se aceite, com suas virtudes, defeitos e limitações, quaisquer que sejam, para que os outros o aceitem.

Lygia Fagundes Telles, ao tomar posse da cadeira de número 28 da Academia Paulista de Letras, em 29 de abril de 1982, abordou essa questão, no discurso que fez naquela oportunidade. Disse, em determinado trecho: "O polvo ao se sentir perseguido, caçado, solta uma tinta negra para que a água em redor fique turva: é quando ele aproveita para fugir. A negra tinta do medo. Sim, às vezes o medo. E o escritor tem que se ver e ver o próximo para poder exercer seu ofício, tem que se buscar e buscar o outro, ver o outro na sua transparência para melhor cumprir o ofício de testemunha e participante desta sociedade e deste tempo. O medo é ignóbil. Pode defender, sim, mas destrói o que de melhor existe em nós".

Aliás, o raciocínio vale não apenas no caso do escritor. Inúmeras pessoas deixam de produzir grandes obras, de conquistar renome e fortuna ou de salvar vidas por temor de assumir responsabilidades. Outras atravessam a existência infelizes no amor por receio de partirem para a conquista da companheira que seu coração elegeu. E por que? Por apostar simplesmente na infelicidade, achando que esta é a melhor das opções? Não! Por medo da rejeição. Não se pode deixar de classificar essa atitude de covardia.

Há muitos e muitos outros casos em que essa inibição limita e até extingue talentos. Como na parábola bíblica, os que se escondem, se omitem, fogem de si, são os que enterram a moeda única que seu amo lhes deu e, na hora de prestar contas, percebem que esta desapareceu. Bela lição Cristo nos ensinou de forma tão poética!

Por isso luto contra o meu medo e creio estar conseguindo relativo êxito. A prova são estas crônicas, personalíssimas, diferentes de tudo o que escrevi no passado, onde me exponho por inteiro, contando, é claro, com a paciência, tolerância e o beneplácito seu, caro leitor.

*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com


2 comentários:

  1. Caro editor, os seus textos estão se tornando semelhantes aos do editorial e vice-versa. Noto uma grande aproximação com o leitor, o que não acontecia antes. Não sei se os que o leem agora estão achando melhor do que os textos mais trabalhados de antes, mas aqui dá para notar que os relatos atuais estão saindo quase que no ritmo do pensamento, bem mais espontâneos e sábios, porém sem a beleza de um maior burilamento. Mas falando em medo, coragem mesmo tenho eu em vir dar o meu "pitaco", que nem ouso chamar de opinão.

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  2. Há tempos não lia um arrazoado assim tão sensível, acurado, sensato e, sobretudo, sábio. Da primeira à última linha, não encontrei uma só passagem da qual discordasse. Tema importante e oportuno que a todos pode servir para reflexão; mais ainda, acredito, aos nossos adolescentes cada vez mais confusos. Parabéns, caro Pedro!

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