terça-feira, 29 de setembro de 2009




Coragem

* Por Evelyne Furtado

De onde estava eu vi a mulher curvada. “Posição mais estranha!” – pensei. Mas continuei observando a intimidade vizinha.

Ela abraçava a si mesma. Cabeça encostada aos joelhos, cabelos cobrindo o rosto, braços apertando as pernas. Ficou em seu ninho por tanto tempo que meu voyeurismo cansou. Fui cuidar de outras coisas e a tarde passou.

Escureceu na janela de lá, porém a luz da noite era suficiente para ver que a mulher continuava encolhida, ainda que em outra posição. Aquela visão me afligiu como nos afligem as dores mudas de quem se permite parar para sentir, em um mundo que nos obriga correr dos sentimentos profundos. Sem mais poder fazer, apenas respeitei.

Creio ter visto dias depois a mulher rindo na companhia de amigos em um café do bairro. Para mim se tratava da mesma pessoa em estado de alegria, em gestos soltos e expressão confiante.
A mim foi concedida compreensão de que a vida "ora aperta, ora afrouxa", como disse Guimarães Rosa e conclui que viver requer da gente a mesma coragem tanto para sofrer quanto para ser feliz.

* Poetisa e cronista de Natal/RN

3 comentários:

  1. A alternância de sentimentos e sensações é o móvel da vida. Caso ficássemos sofrendo por muito tempo do mesmo modo do primeiro momento de dor, seria impossível sobreviver. Contei a minha cardiologista o que passei, daquele mal de amor que parece não ter jeito, e ela me disse que estou salva. Como não re-infartei, disso não vou morrer. A capacidade de renovação que temos é como a floração depois da poda: ficamos belas sem nunca termos sido.

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  2. Cabeça baixa ou erguida, o importante é que haja cabeça para contornar os dois extremos e deles tirar lições de vida. Ou fazer boa literatura, como neste texto com a marca inconfudível de Evelyne. Obrigado e parabéns, amiga.

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  3. Que bonito , Mara!
    A sabedoria está aí, Marcelo. Obrigada pelo carinho.
    Beijos para os dois.

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