A
Medonha Língua Alemã
* Por
Mark Twain
“(…)
Os alemães usam outro tipo de intercalação que consiste em dividir
um verbo em duas partes e colocar metade dele
no começo de um excitante capítulo e a outra
metade no
seu final. Pode alguém conceber algo mais confuso que isso? Essas
coisas são chamadas verbos separáveis. A gramática alemã está
infestada com esses verbos
separáveis,
e quanto mais longe conseguir deixar uma parte da outra, mais feliz
vai ficar o autor desse crime. Um dos favoritos é reiste…ab —
que significa “partiu”. Aqui vai um exemplo que eu catei de um
romance e transpus para nossa língua: “Estando agora as malas
prontas, elePAR —
depois de beijar sua mãe e suas irmãs, e mais uma vez apertar ao
peito sua Gretchen adorada, que, vestida
de singela musselina branca, com uma única glicínia entrelaçada
nas generosas tranças de seu rico cabelo castanho, tinha cambaleado
escada abaixo, ainda pálida com o terror e a excitação da noite
passada, mas ansiosa por apoiar sua pobre cabeça dolorida ainda uma
última vez no peito daquele a quem ela amava mais ainda do que a
própria vida — TIU”
.
“Não
devemos, contudo, perder muito tempo com esses verbos, porque isso
pode nos levar a perder a cabeça; se alguém se fixa nisso e não é
avisado das consequências, vai terminando amolecendo o miolo — ou
petrificando-o. Os pronomes pessoais são outro fértil aborrecimento
na língua alemã, e deveriam ser excluídos. Por exemplo, o mesmo
som, sie,
significa você,
e significa ela,
e significa a ela,
e significa ele (neutro),
e significa eles,
e significa a
eles.
Pensem na pobreza esfarrapada de uma língua que obriga uma palavra a
fazer o trabalho de seis —
e estou falando de uma porcariazinha dessas com apenas três letras!
Mas, acima de tudo, pensem na irritação de nunca saber qual desses
significados o falante está tentando me transmitir! Isso explica por
que, sempre que uma pessoa me diz sie,
eu tento matá-lo — se não for um amigo meu, é claro.
“Agora,
observem os adjetivos: aqui está um caso em que a simplicidade do
Inglês teria sido de grande vantagem; por isso mesmo — não podia
haver outra razão! — o inventor dessa língua complicou tudo o que
podia. Quando queremos falar de nosso “bom amigo” ou “bons
amigos”, em nossa abençoada língua, usamos uma só forma e não
sentimos remorso com isso [em Inglês: "our
good friend or friends"],
mas na língua alemã é diferente. Quando um alemão deita as garras
num adjetivo, ele vai decliná-lo até que seu próprio juízo entre
em declínio. É tão ruim quanto Latim. Ele dirá, por exemplo,
no singular —
Nominativo: Mein
guter Freund,
meu bom amigo. Genitivo:Meines
guten Freundes,
do meu bom amigo. Dativo: Meinem
guten Freund,
ao meu bom amigo. Acusativo: Meinen
guten Freund,
meus bons amigos. No plural, muda tudo: Nominativo:Meine
guten Freunde,
meus bons amigos. Genitivo: Meiner
guten Freunde,
dos meus bons amigos. Dativo: Meinem
guten Freunden,
aos meus bons amigos. E por aí vai — e vá o candidato ao hospício
tentar memorizar essas variações, e vocês vão ver como ele se
elege rápido! A única coisa que pode evitar essa encrenca toda é
andar mesmo pela Alemanha sem ter amigo nenhum. Claro que eu só
mostrei o estorvo que é declinar um bom amigo no masculino;
isso é apenas a terça parte da façanha, pois temos de aprender
toda uma outra variedade de distorções do adjetivo quando se tratar
do feminino ou
do neutro.
O pior é que existem mais adjetivos nesta língua do que gatos
pretos na Suíça, e todos devem ser caprichosamente declinados do
modo como vimos no exemplo acima. Ouvi um estudante americano em
Heildelberg afirmar, num tom resignado, que preferia declinar dois
convites para beber do que um único adjetivo alemão.
“O
inventor dessa língua parece ter se esforçado ao máximo para
complicá-la. Por exemplo, quando referimos despreocupadamente uma
casa, Haus,
ou um cavalo, Pferd,
ou um cachorro, Hund,
escrevemos assim estas palavras. Contudo, se nos referimos a elas no
caso Dativo, temos de grudar-lhes um tolo E desnecessário: Hause,
Pferde, Hunde.
Ora, como esse E
muitas
vezes indica o plural, como entre nós fazemos com o S,
o pobre aprendiz de alemão vai levar no mínimo um mês pensando que
são gêmeos um único cachorro Dativo; por outro lado, muito
estudante novato, sempre com pouco dinheiro, comprou e pagou por dois
cachorros mas acabou só levando um, porque ele, pensando burramente
estar usando o plural, comprou o cachorro no Dativo singular — o
que deixa a lei do lado do vendedor, é claro, pelas estritas regras
da Gramática, não cabendo nenhuma ação legal para recuperar o
dinheiro (...)”
*
Pseudônimo de Samuel Langhorne Clemens, escritor e humorista
norte-americano.
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