País da luz
"A
novidade
que
tem no Brejo da Cruz
é
a criançada
se
alimentar da luz.
A
composição de Chico Buarque de Holanda que traz este trecho é pouco conhecida,
(ou não tanto quanto outras tantas de suas canções), mas traz uma carga poética
imensa em sua simplicidade. É uma verdadeira pintura, posto que feita com este
instrumento frágil (e que nos fornece tão poucos recursos para criar), que é a
palavra. Desperta, sobretudo, nossa "imaginação". Ou seja, nossa
capacidade de transformar conceitos abstratos em imagens (que é o significado
desse termo). E traz um elemento essencial à vida (animal ou vegetal), como a
conhecemos, e à percepção do próprio mundo e de tudo o que nos cerca: a luz.
Sabe-se
que nas profundezas abissais dos oceanos há um peixe que vive na absoluta
escuridão. Por não precisar, não tem olhos. Para quê? No ambiente escuro em que
habita não poderia mesmo ver! E a natureza é sumamente sábia....e prática. Não
faz nada que seja supérfluo. Qualquer órgão que não seja utilizado, finda por
se atrofiar, até desaparecer. O homem, por exemplo, tem vestígios de guelras,
herdadas dos antepassados que viviam no mar. Hoje, esse órgão não teria
qualquer função para o ser humano. Daí ter se atrofiado a tal ponto de ser
quase imperceptível”.
Esta é a maneira com que iniciei a crônica
“País da luz”, que redigi há 14 anos, em dezembro de 2002. Esse também é o
título de meu livro de crônicas, inédito, que esteve em vias de ser publicado
em 2010 e que, na última hora, acabou preterido (por mim). Hoje considero que
foi uma decisão infeliz que tomei na oportunidade. Nas negociações que empreendi,
então, com a Editora Barauna, ficou assentado que eu publicaria dois livros por
essa empresa, sendo um de crônicas e outro de contos. No primeiro caso, deveria
escolher entre “Cronos e Narciso” e “O País da luz”. Por mera intuição, sem
consultar ninguém (o que foi uma burrice) optei pelo primeiro. Sem desmerecer o
livro publicado, hoje publicaria, sem pestanejar, o segundo. Mas... A
oportunidade passou. Também não fui muito feliz na escolha da obra de ficção. “Passarela
de sonhos” é muito melhor que “Lance fatal”. Enfim... Claro que o ideal seria
publicar os quatro. Pensei, todavia, que publicaria, em condições melhores, “O
País da Luz” e “Passarela de sonhos”, mais adiante. Não consegui, porém,
negociar (pelo menos até hoje) esses livros com nenhuma editora. É provável,
pois, que permaneçam inéditos para todo o sempre, por “omnia século seculorum”.
Vá se saber!
Para não frustrar o leitor que
eventualmente tenha ficado curioso em relação à crônica que suscitou estes
comentários, reproduzo sua sequência abaixo, esperando que lhe agrade, como me
agradou ao redigi-la?
“Todos
nos ‘alimentamos’ de luz... Aqui ou no ‘Brejo da Cruz’. Mais ainda o artista,
comprometido em reproduzir e, quando possível, criar beleza. Ou em sugeri-la,
para que o leitor, ou o apreciador de um quadro ou de uma escultura, a projetem
em imagem. Ou seja, ‘imaginem’ um cenário qualquer. Arte, portanto, é antes de
tudo sugestão. É sempre, no mínimo, um dueto. Requer uma parceria: a do autor e
de seu consumidor. Jamais um mesmo quadro, por exemplo, vai ser visto e
interpretado da mesma forma por duas pessoas. Ou um poema será sentido de
maneira igual. Ou uma sinfonia despertará idênticas emoções e fantasias. A arte
é, em essência, coletiva.
Luz...Três
simples letrinhas no nosso idioma com um significado, uma função e um mistério
tão transcendentais! Nada a supera em velocidade (300 mil quilômetros por
segundo). Os cientistas ainda não definiram com precisão sua natureza. É
matéria? É energia? É ambos? Não é nenhum dos dois? Ninguém pode afirmar nada a
seu respeito. Seus raios são dotados de determinada quantidade de calor.
Concentrados (lasers ou masers), são poderosíssimos. Cortam uma chapa do mais
duro dos metais (titânio, aço, etc.) como se fosse um tablete de manteiga. Os
místicos associam-na à divindade ou à glória divina.
Em
excesso, ofusca a vista e pode até cegar. E quando não cega, faz com que o olho
humano não distinga os contornos, as cores e os matizes daquilo que nos cerca.
Precisa ser na medida exata para a nossa fragilidade. Nós, brasileiros, somos
privilegiados nesse aspecto. Não nos falta luz, como ocorre nos países próximos
aos pólos, onde a incidência dos raios solares não é tão direta. Por isso, eles
são sombrios. Os povos que habitam essas áreas são mais tristes, mais
circunspectos, mais melancólicos do que o nosso. Também não contamos com os
exageros da zona equatorial, como em partes da África. Temos luz na medida
certa. Nem a mais e nem de menos. Daí a nossa natureza ser tão exuberante. Daí
o Brasil ser um país tão belo. Daí nosso povo, submetido a privações, a maus
governos e a toda sorte de carências, ser tão feliz e positivo. E, sobretudo,
bonito.
‘Luz,
quero luz. Luz na janela, nas ruas, no mar, no coração de todo mundo. Luz na
cabeça dos que nos (des)governam’. Estas palavras não são minhas. São de uma
crônica de Antônio Torres, publicada no caderno ‘Idéias’, do ‘Jornal do Brasil’
do Rio de Janeiro, em 5 de janeiro de 1992. Ou seja, em pleno verão, o período
do ano marcado pela descontração e pela alegria de viver. A época em que, como
a criançada do Brejo da Cruz, quebramos o nosso jejum nos ‘alimentando de luz...’"
Está aí! Gostaram? Espero que sim.
Reitero que da minha parte, “diverti-me” a valer, redigindo este texto. E não
somente este, mas todos os que integram o livro (inédito) que tem esse mesmo
título, porquanto, tal qual a meninada do Brejo da Cruz, alimentei-me gulosamente,
até fartar, de luz, de muita luz!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Li e comentei no Facebook. A belíssima canção de Chico Buarque é uma eterna fonte de prazer.
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