O
sinédrio da cidade do Porto e a república de Curitiba
* Por
Raul Longo
Para explicar o
sistema judiciário brasileiro o australiano e um dos mais notáveis advogados do
mundo, Geoffrey Robertson, se refere a fato histórico da justiça portuguesa no
início do século 19 com íntima correspondência a importante momento da história
do Brasil que muitos brasileiros desconhecem.
O pronunciamento está
repercutindo pelas redes sociais de todo o mundo e vale a pena conhecê-lo com
legenda em português, após a apresentação do significado de Geoffrey Robertson
para a comunidade jurídica internacional:
https://www.facebook.com/Lulastruth/videos/1216114551767640/
Talvez por nossas
instituições e relações sociais se manterem tão inalteradas ao longo dos
séculos, por continuarmos vivendo o mesmo Brasil de sempre; pouco nos
interessamos pela história, mas Portugal, como diz aí Geoffrey Robertson, mudou
muito e a referência sobre o ano que marcou a evolução da justiça portuguesa,
1820, tem tudo a ver com o fim da permanência de Dom João VI no Brasil.
Nas escolas nos
ensinavam que aquele monarca e sua corte vieram para nosso país ainda colônia
fugindo de Napoleão Bonaparte. Cronistas de então mais se preocupavam com os
escândalos conjugais entre Dom João e sua esposa, a célebre Carlota Joaquina,
devassando a vida do casal como num BBB oitocentista. Mas pouco informavam
sobre detalhes que ainda hoje pouco comovem os brasileiros, permanentemente
mais interessados em escândalos promovidos e inventados pela mídia.
Dado a esse
desprendimento nacional por fatos relevantes à evolução da sociedade e
desenvolvimento de nossa civilização, alguns até podem crer que Dom João VI
resolveu retornar a Portugal por saudades da “terrinha”, ou por vergonha de ser
apontado como o “Rei Corno”. Outros imaginam que após fundar o primeiro Banco
do Brasil, Dom João só esperou os brasileiros depositarem ali suas economias
para rapar o cofre, fechar o banco, e voltar à Lisboa.
Nesse aspecto Dom João
VI foi um precursor, pois quase dois séculos depois seu exemplo influiu em
Fernando Henrique Cardoso à criação do PROER, na promoção do Escândalo do
Banestado, na falência do Banco Nacional de Minas Gerais sob a administração de
seu filho, e provavelmente também na inclusão das taxas bancárias para
ampliação de rendimentos sobre os juros das importâncias depositadas pela
população. Rendimentos aos bancos, claro! Não haveria de ser aos usuários dos
serviços bancários que, evidentemente, pagam à parte: extratos, talões de
cheque, correspondências, etc.
Quem diria que
tornaríamos a ser cobrados por uma falcatrua de Dom João VI lá no começo do
século retrasado?!! Mas a era FHC modernizou o sistema de rapina empregado pelo
monarca lusitano e já nem a percebemos, embora tanto tenhamos nos revoltado com
a CPMF, equivalente ao preço de um maço de marca popular de cigarros por mês, a
cada salário mínimo de movimentação financeira bancária.
Os bancos não pagavam
nada pela CPMF, mas agora estão livres do controle por aquele imposto e podem
operar evasões de divisas à vontade sem o risco de serem julgados pelo Sérgio
Moro como o Youssef, a quem aquele juiz já o condenou há um ano de cadeia no
caso Banestado e agora mais três pela Lava Jato.
Pelo volume do operado
em ambos os casos, há quem estranhe e considere as condenações de Youssef leves
demais, mas se explica pelo fato de Youssef não ser banco. O Itaú, por exemplo,
pagou pelo Banestado somente 1,6 milhão de Reais, ainda que a evasão de divisas
propiciadas pelo processo de privatização que se estendeu de 1996 a 2002 tenha
alcançado a ordem de 30 BILHÕES DE DÓLARES.
Por não ser banco, o
único a quem Moro condenou a um ano de cadeia foi o Youssef. Já demais
envolvidos como TV Globo, RBS, Silvio Santos, revista Veja e demais empresas da
Editora Abril nem foram chamados a depor sobre soma estimada em cerca de 2
BILHÕES de reais.
No entanto a evasão de
divisas pelo retorno de Dom João VI a Portugal não foi provocada pela derrota
de Napoleão em Waterloo, conforme fazia crer a omissão das professoras sobre a
Revolução do Porto.
A famosa Batalha de
Waterloo foi em 1815 e a evolução do sistema judiciário português do sistema
inquisitorial tal como o conhecemos e vivenciamos ainda hoje no Brasil, se deu
em 1820, como aí se refere o eminente jurista britânico.
Não se pode dizer que
João VI tenha sido tão moleque quanto o devasso do seu filho Pedro I ou o atual
presidente do Brasil a inventar conversas com Putin que no dia seguinte o
dirigente russo teve de desmentir para a comunidade das nações. Mas de toda
forma também fez seu povo passar grande vergonha perante o mundo ao igualmente
desonrar o cargo que ocupava, largando os portugueses nas unhas de Napoleão.
Aquilo foi um vexame
internacional similar aos que hoje são expostos os evangélicos que elegem
políticos como o sócio do Mixel Fora Temer, o Eduardo Cunha. Mas os portugueses
não precisaram de denúncias da Suíça e desde o início da fuga, em 1807, se
revoltaram com a entrega do país ao Império Britânico, como hoje José Serra
entrega o Pré Sal para o imperialismo da British Petroleum entre outras
multinacionais dos capitais mantenedores de guerras, terroristas e tiranos do
Oriente Médio e da África.
Dez anos depois, em
1817, uma delação premiada apontou ao general nacionalista Gomes Freire de
Andrade como líder de conspiração contra a Coroa. Com outros doze delatados, no
dia 18 de outubro foi enforcado no Campo de Santana por condenação daquele
sistema de tribunal de exceção criado durante a Santa Inquisição, no século XII
da Idade Média.
Assim como o Ministério
Público Federal, o Sérgio Moro e a Ministra Rosa Weber do STF, então a justiça
portuguesa também não fazia questão de fundamentar investigações, prisões e
condenações em provas. Quando não artifícios jurídicos de domínio de fato,
apenas convicções eram suficientes.
Isso fez com que os
portugueses se revoltassem e em 1818 o desembargador Manuel Fernandes Tomás
lidera os juristas que formaram o Sinédrio do Porto.
Porto é a bela e
segunda maior cidade de Portugal. Algo assim como o Rio de Janeiro para o Brasil.
Mas o termo “sinédrio” tem origem bem anterior, lá na antiguidade bíblica,
quando os hebreus que não acreditavam em literatura jurídica que desse direito
de condenar sem provas, formaram seus supremos tribunais de justiça para haver
justiça de verdade.
Diferentemente da
maioria de milicanalhas que após o golpe de 1964 substituíram os antigos
legalistas no comando das Forças Armadas Brasileira, honrados militares
portugueses de então apoiaram o Sinédrio do Porto e, em 24 de agosto de 1820,
tomaram o Poder Legislativo da cidade formando a Junta Provisional do Governo
Supremo do Reino que pretendia a realização de uma nova Corte ou Assembleia
Constituinte.
Em 15 de Setembro de
1820, oficiais subalternos ligados à burguesia lisboeta e liderados pelo tenente
Aurélio José de Moraes, uma espécie de Aécio Neves – apesar de que sem os
mesmos modernos costumes pois ainda que Leonardo da Vinci já o houvesse
previsto, todavia não tinham inventado o helicóptero –, depuseram o governo da
Junta Provisional do Porto.
Mas daqui do Brasil,
Dom João percebeu implícito nos acontecimentos de Portugal um golpe atrás do
golpe, como ocorre em todos os movimentos ou processos golpistas. Inclusive o
que Mixel Fora Temer assumiu ter resultado em sua tomada do cargo de presidente
do Brasil.
Prevendo que com a
desculpa de construção de “Ponte para Futuro” um decorativo qualquer poderia
ajeitar uma “Pinguela para o Passado”, João VI passou o famoso recado ao filho,
mais tarde D. Pedro I, aconselhando-o a que pusesse a coroa na cabeça antes que
algum dos golpistas do Brasil de então o fizesse. E, em 1821, bem antes de
Collor de Melo e FHC, esvaziou o tesouro nacional e foi pra’lém mares cuidar da
própria cabeça e da própria coroa.
De fato conseguiu
continuar equilibrando a coroa, mas desde então a justiça portuguesa teve de
virar justiça de verdade, eliminando seus Torquemadas. E até hoje ali não tem
isso de STF levantar a toga de medo, acovardado por camundongos de primeira
instância. É STF mesmo!
Até se pode achar
exagero ou mania de português levar o sentido das palavras ao pé da letra,
entendendo que Supremo Tribunal tem de ser supremo de fato; mas o Sinédrio do
Porto não deixou de provocar uma evolução na história jurídica do país. Tanto
que onde executaram aqueles condenados por “convicções” de juízes e promotores
públicos irresponsáveis e levianos com fatos e provas, ainda hoje tão
negligenciadas também pelos olhos da mídia brasileira que não é nem um pouco
cega, desde então deixou de ser chamado de Campo de Santana e até agora é o
conhecido como Campo dos Mártires da Pátria.
É a isso que o Geoffey
Robertson se refere quando explica ao mundo o que é que os brasileiros até hoje
entendem como Justiça. E a explicação também serve para entendermos porque não
temos interesse pela história do nosso passado que não passou e momento se
estaciona na corte jurídica de Curitiba.
Se não isso, é porque
o passado somos todos nós neste triste presente lamentado pelo Papa Francisco.
*Raul
Longo é jornalista, escritor e poeta. Mora em Florianópolis e é colaborador do
“Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Pouso Longo”.
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