domingo, 8 de maio de 2016

O mundo seria muito chato


* Por Pedro J. Bondaczuk


Você já imaginou como o mundo seria chato caso não houvesse Literatura? E essa chatice não seria apenas para os amantes da leitura. Nem só para nós, que temos paixão por esta atividade e fazemos dela nosso ganha pão. E nem com exclusividade para a imensa indústria editorial, que publica milhões e milhões de títulos, com bilhões de exemplares, anualmente, mundo afora. A chatice seria generalizada.

“Bem”, diria aquele sujeito que gosta de retrucar a tudo e a todos, sem nunca refletir no que diz, “mais da metade da população mundial não tem acesso a livros, ou porque não sabe ler, ou por não gostar de leitura ou por não os poder comprar por causa do seu alto preço”. Verdade.

Todavia, a Literatura não se resume, somente, a livros. Caso ela não existisse, por exemplo, não haveria a indústria cinematográfica. Nenhum filme seria rodado. Por que? Simples: por falta de roteiros. Afinal, estes também são Literatura. Teatro? Nem pensar! Não haveria peças teatrais para serem encenadas.

E o que dizer das novelas, paixão nacional aqui no Brasil e em várias partes do mundo? Não existiriam! A audiência dos canais de televisão despencaria e, em alguns casos, chegaria a zero. Sim, porque embora muitos não se dêem conta, a novela é um gênero literário. É, portanto, Literatura.

Música haveria, é verdade, mas jamais a cantada. Pobre dos cantores! Por que? Porque as letras das suas canções preferidas, querido leitor, são poesia. Ou seja: são Literatura. Não haveria ópera, uma das formas mais requintadas de arte, por promover a união da música com a Literatura, cujos diálogos são cantados, em vez de meramente enunciados pelos atores. Convenhamos, não há como negar, o mundo seria muito chato, quer para o letrado, quer para o analfabeto.

Não existiriam revistas de histórias em quadrinho, forma popular de literatura. Não haveria cronistas esportivos, literários ou seja lá do que for. Os pescadores sofreriam bastante. Não haveria, por exemplo, aquelas histórias saborosas que narram, que primam, sobretudo, pelo exagero. Afinal, elas também são Literatura, posto que na forma oral.

É... de fato, o mundo seria chato, muito chato, chatíssimo. Muito bem, escritor amigo, você, finalmente, se conscientizou da importância da Literatura.  Mais do que isso, sabe que tem talento para essa atividade, mas carece, ainda, de comprová-lo. Há anos vem publicando, em jornais, suas crônicas, e seus contos fazem sucesso nas raras revistas literárias que ainda sobrevivem.

Diante de tudo isso, chegou à conclusão de que precisa lançar um livro. Apesar de nunca haver passado por essa experiência, leu observações de autores consagrados e experientes sobre as dificuldades que poderá encontrar, quer para a publicação, quer para que sua obra chegue de fato às mãos de quem lhe interessa: o leitor. Até já traçou uma estratégia para superar esses obstáculos. Porém, para pô-la em prática, falta-lhe, óbvio, o essencial: o “produto”. E sem ele, sequer poderá ostentar o pomposo título de “escritor”.

Se quisesse, é verdade, já poderia ter em mãos não apenas um, mas vários livros seus. Bastaria reunir suas melhores crônicas, publicadas na imprensa e em sites e blogs da internet e, pronto. Ou poderia selecionar os contos publicados, aqueles que fizeram mais sucesso com os leitores. Ou, quem sabe, se dispor a exibir em público os inúmeros poemas que vem compondo com assiduidade desde a adolescência. “Não, poesia não. Não vende”, você conclui. Mas você não quer reunir textos já prontos num livro. Não, pelo menos, agora. No futuro... quem sabe.

Você quer escrever um livro novo, inédito, virgem, do começo ao fim. É quando se vê face quatro perguntas fundamentais: o que escrever? Como escrever? Quando escrever? Para quem escrever? Esses quatro questionamentos exigem muita reflexão e sérias considerações.

O que escrever? Ficção ou não-ficção? Um livro de ensaios poderia ser boa pedida, mas você não tem prestígio suficiente para despertar a atenção do mercado. Trata-se de um gênero que requer certa notoriedade do autor, sob pena de não vender nem o suficiente para pagar um cafezinho. Fosse um Montaigne, um Thoreau ou um Emerson, vá lá.  Seria mais fácil. Mas você não é.

Redigir memórias poderia ser uma boa. Mas você ainda é relativamente jovem e não tem tanta experiência assim, e nem tantas lembranças interessantes que mereçam ser consolidadas em livro. Nos próximos anos, quem sabe. Não. Você quer, mesmo, é partir de cara para a ficção.

Mas escrever o quê? Histórias a serem desenvolvidas, na verdade, não lhe faltam. Você tem um arquivo inteiro, e imenso, em seu computador, com esboços de inúmeros enredos que, bem desenvolvidos, podem render livros sensacionais.

Qual será sua opção? Contos? Terá que escrever novos, já que não quer aproveitar os publicados em revistas. Quem sabe uma novela. Ou uma peça de teatro. É verdade que já tentou escrever algumas, mas desistiu na metade. Esse gênero requer extrema facilidade em diálogos, para que esses não soem falsos ou discursivos, habilidade que você ainda não tem. Não, peça de teatral você quer escrever, sim, mas não agora.

Sobrou, pois, apenas a redação de um romance. Muito bem, mas há, ainda, alguns questionamentos a fazer. Qual o caráter que você quer lhe imprimir? Situará a história em que tempo, no presente, em um passado bem remoto ou no futuro? Será um romance de amor, de cunho político, de ficção científica, de aventuras etc.etc.etc.? Que tipo de caso, afinal, você pretende contar aos leitores?

Antes de você sentar-se junto ao teclado do seu computador, para começar a escrever, terá que decidir tudo isso. Sim, escritor amigo, o que escrever? Ah, já decidiu?! Então, o que está esperando? Mãos à obra! A Literatura existe. Você sente-se habilitado a exercê-la com competência e proficiência. Torne o mundo ainda menos chato com o fruto da sua criatividade. Tenho ou não tenho razão ao afirmar que o mundo seria chatíssimo caso a Literatura não existisse?

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk



Um comentário:

  1. Escrever algo bom, que realmente valha a pena, é um desafio, mas não o maior,como nem tampouco vender, mas o receptor ler. Acumulo dezenas de livros que me enviam, já publicados. Querem que eu leia, mas também querem que eu escreva algo a respeito. Faço isso, mas não dou conta de vencer tudo, pois trabalho oito horas por dia, atendendo a consultas médicas, que é o meu ganha-pão. Também me cobram publicar um livro de crônicas não inéditas, mas surge um novo problema, o segundo maior: vender os livros. A opção do e-book é real, mas ainda assim precisa ser vendido. Sobre o tema a escrever, como adoro casos reais, fico com as biografias, por mais buracos que estas possam ter, como também minha vontade é escrever uma biografia completa de alguém que realmente valha a pena. Não posso esperar muito. O tempo urge.

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