O Brasil não acaba nesta quarta-feira…
* Por
Renato Rovai
A não ser que algo
absolutamente tsunâmico venha a acontecer Dilma será afastada hoje do cargo de
presidenta da República e será substituída pelo golpista Michel Temer. Será o
fim de mais um episódio da série Brasil, mas não o fim dessa história.
Já na quinta-feira
começa um novo episódio, cujo título não será Golpe e Conspiração, mas que
contará o destino de um governo ilegítimo, que terá de compor com o que há de
pior na política brasileira e que enfrentará uma resistência cidadã que tende a
crescer de maneira digital e não analógica.
Essa turma que vaza
cartas e áudios com ensaios do discurso do golpe sabe como desestabilizar
governos. É expert em manhas e artimanhas palacianas. Conta com a midiazona
inteira para construir narrativas destrutivas. Mas a partir de agora terá de
lidar com um país muito diferente do que entregou em 2003.
Um país que sabe que o
Estado pode ser indutor de desenvolvimento social. Que conheceu o Bolsa
Família, o Minha Casa Minha Vida, cotas nas universidades, o ProUni, os Pontos
de Cultura, o Mais Médicos, o Luz pra Todos e tantos outros programas que
mudaram milhões de pessoas de andar na pirâmide social.
Esses programas
fizeram com que garotos que tinham oito anos em 2003 e hoje estão com 21 possam
viver de forma muito diferente do que seus pais ousaram sonhar.
Essa garotada também
está conectada. Conversa em lista de whatsapp sobre música, futebol, baladas e
política. E de algo uma forma ainda só assistiu esse episódio que deve se
encerrar hoje.
Até porque o Brasil
vive uma crise econômica e a uma instabilidade política de grandes proporções.
E isso piorou muito a vida do povo nos últimos dois anos.
Muitos desses garotos
perderam empregos, outros nem conseguiram arrumar e muitos outros estão vendo
pais, mães, irmãs, primos, vizinhos etc. na mesma situação.
E enquanto isso
acontece há uma força bruta que lhes diz que isso só vai se resolver se ela
cair.
Que só há
possibilidade de amanhã se Dilma, Lula, o PT e essa quadrilha de corruptos
forem varridos do mapa.
Muito por conta disso,
essa juventude, em sua imensa maioria, não foi às ruas em atos de resistência
ao golpe. Mas também não foi pedir a cabeça de Dilma.
Ela ficou assistindo.
Até porque ao que
parece o que o destino lhe reserva não é um papel secundário, mas de
protagonista.
É neste novo episódio
da obra Brasil que se inicia amanhã que este novo ator, que já se insinua nas
ocupações das escolas públicas, deve surgir forte.
Em geral é assim. O
novo episódio já começa nos últimos capítulos do ciclo anterior.
E o episódio que virá
será o da juventude classe D e C conectada. Ela escreverá boa parte da história
da resistência.
Não tenho dúvida
disso.
Essa juventude não
aceita um governo liberal. Ela quer mais Estado. Mais educação e saúde pública
de qualidade, mais programas de inclusão, mais possibilidades para disputar
melhores empregos, mais equipamentos de cultura, mais áreas de lazer, mais
consumo etc.
Por mais contraditório
que possa parecer, mesmo achando que tudo que consegue é fruto da sua batalha
individual, ela não tem nada de neoliberal.
E por isso era muito
difícil construir uma consciência coletiva para esse imenso novo grupo social
na sustentação de um governo. Mas isso pode vir a acontecer agora nas lutas de
resistência.
Esse é o fato novo que
pode desestabilizar muito mais rapidamente do que muitos ousam imaginar o
governo Temer.
A combinação das lutas
dos setores clássicos da esquerda com essa ação distribuída e com jeito de não
organizada da molecada tende a ser imbatível.
Principalmente se
Temer optar pela porrada como forma de garantir a ordem.
Na sociedade conectada
em redes e onde cada pessoa com um celular é um mídia, a porrada tem se
mostrado o melhor combustível para ampliar movimentos mundo afora.
Por isso, o jogo não
está jogado e não é tão simples como pode parecer para alguns.
O impeachment de Dilma
é uma quebra institucional caríssima para a nossa democracia, mas também pode
significar o nascimento de algo novo.
É preciso apostar
nisso, mesmo em meio a tudo que virá. E que promete ser pra lá de bruto.
É preciso tentar
buscar compreender melhor o novo que começa a brotar.
Muitas vezes é no
anoitecer que a gente entende melhor o que foi o dia e o que ele produziu. E
que pode se preparar melhor para o outro dia que virá.
É quase certo que
vivemos o fim de um ciclo de 13 anos da nossa história. Mas não estamos vivendo
o fim história.
(Extraído do blog de
Renato Rovai).
*
Jornalista, editor da revista “Fórum”.
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