Escritor que sacrificou a vida pela justiça
Emile Zola é uma das figuras maiúsculas da Literatura, e não
somente a francesa, mas mundial. Faz jus a essa avaliação principalmente por
seu talento (óbvio), mas também por sua generosidade e seu senso de
solidariedade (que levou ás últimas conseqüências). Afinal, raras celebridades
arriscam seu prestígio (não importa de que tamanho e conquistado por qual razão)
como ele fez em relação ao capitão de origem judia, Alfred Dreyfus, expulso do
Exército francês e enviado à terrível prisão da Ilha do Diabo, na Guiana
Francesa, acusado de traição, por supostamente haver espionado em favor da
Alemanha. Mas não espionou. Todo o processo contra esse até então obscuro
oficial foi uma baita armação – com testemunhos falsos, “provas” plantadas e
outras tantas mutretas – motivada pelo mais escrachado e vil preconceito.
Todos, na França, se calaram diante dessa tremenda injustiça. Aliás, todos não.
Emile Zola não se calou.
Ele bem que poderia ter ficado à margem do debate sobre a
suposta culpabilidade de Dreyfus, que não era seu parente e nem mesmo amigo.
Não tinha, portanto, nenhuma espécie de vínculo com o militar e muito menos qualquer
interesse pessoal. Ninguém o condenaria caso não se metesse na questão, que não
lhe dizia respeito. Mas a injustiça cometida causava-lhe náusea. E Zola não
conseguiu conter sua indignação. Batalhou, com as armas que tinha – a precisão
do seu texto e a clara exposição de argumentos inatacáveis – para que a verdade
viesse á tona e o absurdo erro judiciário fosse reparado. Em 1898, escreveu, e
publicou em jornais e revistas, uma série de artigos, com fatos sonegados da
justiça e com argumentação sólida e inquestionável, comprovando, por a + b, a
inocência do infeliz condenado. O mais, contundente e detalhado foi o famoso “J’acuse”,
com o subtítulo “Carta a Felix Faure” (o então presidente da França), publicado
no jornal literário “Aurore”.
Esse texto era tão incisivo que provocou uma reviravolta
completa no caso e levou à revisão do processo, dando-lhe nova dimensão,
resultando não só na libertação de Alfred Dreyfus, mas, sobretudo, anos depois,
em 1906, quando Zola já estava morto, na completa reabilitação do oficial. Já o
escritor... teve uma série de contratempos por sua ousadia e generosidade. Após
a publicação de J'accuse, por exemplo, foi processado por difamação e condenado
a um ano de prisão. É certo que não foi parar atrás das grades. Ao saber da
condenação, Zola, prudentemente, partiu para o exílio na Inglaterra. Após seu
regresso, quando já não corria o risco de ser preso dada a evolução positiva do
processo, publicou, no "La Vérité en marche", vários artigos sobre o
caso.
Mas tudo indica que pagou com a própria vida por seu amor à
justiça e por sua ousadia em desafiar os poderosos e defender com paixão suas
convicções. Há fartos indícios de que foi assassinado, embora as investigações
sobre sua morte não tenham chegado a nenhuma conclusão. Em 29 de Setembro de
1902, Emile Zola morreu misteriosamente em seu apartamento da rue de Bruxelles.
Causa da morte: inalação de uma quantidade letal de monóxido de carbono
proveniente de uma chaminé defeituosa. Ora, ora, ora... Não lhe parece, astuto
leitor, uma “armação”, digna de figurar em alguma das tantas histórias de
espionagem, quando grupos e pessoas poderosos querem se livrar de adversários incômodos,
sem deixar vestígios? Ninguém me convence que a morte de Zola foi acidental.
Estou, isto sim, convencidíssimo, mesmo sem nenhuma prova concreta, que o escritor
foi assassinado por poderosos inimigos políticos que desafiou, e de certa forma
humilhou, sobretudo a alta cúpula militar.
Apesar do seu apaixonado e vigoroso ativismo político, sou
admirador, principalmente, da sua intensa, competente e sumamente criativa ação
literária. Emile Zola é um dos meus paradigmas, dos meus referenciais, dos
modelos que tento humildemente seguir, desde que, há cinquenta e tantos anos,
li seu primeiro romance. E não deixei de lê-lo nunca mais. Deliciei-me, e
aprendi demais, em especial com a série “Os Rougon-Macquart”, constituída de
vinte novelas, que considero um clássico da literatura de todos os tempos.
Fascinam-me, em especial, aquelas que considero suas principais características
(literárias e de personalidade): indignação com as injustiças, críticas acerbas
às diferenças entre as várias classes sociais e a utilização da História como
pano de fundo para seus enredos, muitos dos quais belos casos de amor.
Anos atrás, escrevi um ensaio sobre Emile Zola em que
destaquei o fato dele utilizar recursos jornalísticos para escrever ficção, o
que parece paradoxal e incompatível, mas que o escritor naturalista (é
considerado o “pai do Naturalismo”) conseguiu, habilmente, viabilizar. Essa
façanha impressionou-me tanto, que intitulei o referido texto de “O repórter do
imaginário”. Li, praticamente, tudo o que escreveu (muitos de sua quase centena
de livros li no original, em francês, por não haverem sido publicados no Brasil)
e não há um único que eu não tenha gostado ou feito qualquer restrição. Zola
também tratou de uma epidemia, de cólera, no seu pouco conhecido livro “Os
mistérios de Marselha”, obra que escreveu na juventude e que foi uma espécie de
ensaio para a monumental produção que viria a empreender anos depois. Tratarei,
no entanto, desse romance nos próximos comentários.
Boa leitura.
O Editor.
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Os valentes e os heróis acabam cedo no cemitério.
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