domingo, 8 de maio de 2016

Borboletas


* Por Alberto Cohen


Chegavam não se sabia de onde. No início algumas, pousadas nos lustres e móveis. Num crescente constante o número ia aumentando para dezenas e depois centenas, invadindo a sala, o apartamento.

De todas as cores e tamanhos, desatinadas, chocavam-se com as vidraças ou rodopiavam ao redor das lâmpadas num círculo interminável. Muitas caíam de cansaço, desenhando pequenos tapetes multicoloridos e de variadas formas. Visível o pânico no descontrole das asas.

Recebidas a princípio como invasoras de domicílio, despertavam, em seguida, piedade e cuidados, até no pisar, para que nenhuma delas fosse esmagada. Sentiam-se todos protetores daquelas pobres fugitivas que, no seu medo, vinham decorar de beleza e poesia o tédio de muitos anos de rotina.

A família inteira a conversar baixinho, como temendo assustá-las mais ainda, jamais havia sido tão solidária e próxima. Olhares cúmplices e enternecidos se cruzavam e sorrisos abriam janelas na monotonia costumeira. O momento estava repleto de calor humano. Era, finalmente e de fato, a família.

Como haviam chegado, partiram. Não de uma vez, numa revoada. Aos poucos, até sumirem, cores voadoras procurando a liberdade e o caminho de casa, desapercebidas do momento trazido e que se tornaria eterno na lembrança.

As pessoas ainda conversaram durante algum tempo, levantando teses sobre os motivos da invasão: morcegos, ameaça de chuva, luzes refletidas nas vidraças, etc. Lentamente a conversa foi esmaecendo, até chegar a simples monossílabos. Ligaram a televisão, alguns foram jantar, outros saíram. Quebrou-se o encantamento.

* Poeta paraense.


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