Borboletas
* Por
Alberto Cohen
Chegavam não se sabia
de onde. No início algumas, pousadas nos lustres e móveis. Num crescente
constante o número ia aumentando para dezenas e depois centenas, invadindo a
sala, o apartamento.
De todas as cores e
tamanhos, desatinadas, chocavam-se com as vidraças ou rodopiavam ao redor das
lâmpadas num círculo interminável. Muitas caíam de cansaço, desenhando pequenos
tapetes multicoloridos e de variadas formas. Visível o pânico no descontrole das
asas.
Recebidas a princípio
como invasoras de domicílio, despertavam, em seguida, piedade e cuidados, até
no pisar, para que nenhuma delas fosse esmagada. Sentiam-se todos protetores
daquelas pobres fugitivas que, no seu medo, vinham decorar de beleza e poesia o
tédio de muitos anos de rotina.
A família inteira a
conversar baixinho, como temendo assustá-las mais ainda, jamais havia sido tão
solidária e próxima. Olhares cúmplices e enternecidos se cruzavam e sorrisos
abriam janelas na monotonia costumeira. O momento estava repleto de calor
humano. Era, finalmente e de fato, a família.
Como haviam chegado,
partiram. Não de uma vez, numa revoada. Aos poucos, até sumirem, cores voadoras
procurando a liberdade e o caminho de casa, desapercebidas do momento trazido e
que se tornaria eterno na lembrança.
As pessoas ainda
conversaram durante algum tempo, levantando teses sobre os motivos da invasão:
morcegos, ameaça de chuva, luzes refletidas nas vidraças, etc. Lentamente a
conversa foi esmaecendo, até chegar a simples monossílabos. Ligaram a
televisão, alguns foram jantar, outros saíram. Quebrou-se o encantamento.
*
Poeta paraense.
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