Para se tornar pai é
preciso coragem
* Por Mara Narciso
Você tem vontade de ser filho? Pois há quem sonhe em sê-lo, por vezes
durante bastante tempo. São as crianças e adolescentes institucionalizadas, com
pais existentes, mas sem tê-los. A Vara da Infância e Juventude e Promotoria de
Justiça Regional da Infância e Juventude não os quer nesta situação por mais de
dois anos e procura salvar suas famílias de origem, para fazê-los retornar a
elas. Tratam-se problemas de saúde física, moral e social, envolvendo os pais,
e estendida a tios e avós. Como a primeira opção é manter a criança com seus
parentes de sangue, nem todas estão disponíveis para se tornar filho pelas vias
da adoção. Quando todos os meios estão esgotados, é procurada uma família
substituta.
Qualquer pessoa poderá candidatar-se a adotante. Para isso precisa ser
maior de idade, apresentar documentos comuns, atestado de saúde física e
mental, nada consta civil e criminal, e atestado de residência. São preenchidos
questionários minuciosos por psicólogo, assistente social e técnico judiciário.
Apenas quando é considerado idôneo e habilitado (curso de preparação) entrará
na lista regional e nacional de candidatos. Quem pensa em adotar precisa ter
convicção e motivo claro para querer se tornar pai ou mãe. A pessoa pode ser
casada ou solteira. Como a orientação sexual não está em questão, casais
homoafetivos podem adotar. Irmãos e avós podem obter a guarda ou tutela, mas
não podem adotar.
O desejo de maternidade ou paternidade é um sentimento genuíno que não
deve ser confundido com busca de companhia, ou substituição de um filho, ou
procura de alguém que o vá servir no futuro (continuidade de negócios). A
partir do momento em que a criança ou adolescente torna-se filho, os seus
direitos serão iguais aos de um filho natural. No pedido deixam-se as
especificações daquele que se deseja encontrar, tais como sexo, cor, idade, se
aceita pessoa com doença ou vítima de violência.
Quem está na lista de adotantes diz que há muitas crianças em situação
de abandono, porém, poucas em condições legais para ser adotadas. O Estado
afirma que há muitas crianças, porém fora dos filtros determinados pelos
adotantes, que querem, em sua maioria, uma criança branca e recém-nascida.
Dessa forma os meninos negros e pardos, principalmente depois dos oito anos, já
conhecem a verdade e sabem que serão preteridos. Quando vem chegando o
aniversário deles, olham entre lágrimas para o portão da instituição, com a
certeza de que, ver entrar um pai que vá levá-lo dali para casa é quase
impossível.
A adoção legal segue a fila, emparelhando as condições dos dois grupos,
dos pretendentes a pais e dos futuros filhos, exigindo muita exatidão para
evitar adoções por pessoas despreparadas, e que venham a se arrepender. Ainda
assim, o noticiário tem mostrado casos de agressões contra o filho que a pessoa
tanto buscou. A demora na adoção é uma maneira de proteger e evitar tais casos.
Assim como não se escolhe a genética de um filho natural, também será
imprevisível na criança que se torna filha por adoção. Quem adota pensa em como
pode ter sido sofrida aquela gravidez. Muita genitora já tem filhos espalhados,
morando com avós, e novamente grávida se apavora, pois sabe que não poderá
cuidar daquele que vai chegar. Há aquelas, que por toda a gestação, fazem o
pré-natal pensando, até ter a certeza, embora com culpa, em doar o filho para
uma vida melhor. Ainda gestante, procura os meios legais. Quando se arrepende,
faz da adoção um ato reversível, dependendo da avaliação do juiz, que
averiguará a ligação afetiva já existente entre a criança e sua nova família.
A adoção à brasileira, um arranjo ilegal, deve ser evitada. É quando uma
grávida tem contato com o casal que quer adotar, e após o parto recebe a criança
e a registra como se fosse sua. Algumas vezes o ato envolve dinheiro. Tal
ilícito, muito comum, é crime. A Lei de Adoção de 2010 é ampla e clara, e
procura, em todos os sentidos, proteger aos adotáveis. Laços afetivos são
fáceis de ser criados e difíceis de ser desfeitos. A situação de ruptura
dilacera ambos os lados, ferindo barbaramente quem se quer proteger. As
incertezas criam baixas na auto-estima daquele que pode já ter sido rejeitado
outra vez. A Vara da Infância e Juventude, juntamente com o Ministério Público,
trabalham exaustivamente para reduzir erros.
É preciso selecionar para dar aos adotáveis a estabilidade de um lar,
onde possam ser acolhidos com segurança. Não se adota para ajudar, assim como
não se tem um filho para ajudá-lo. Sem laços biológicos, a família substituta é
como a outra. A imagem de pais e filhos felizes num jardim de uma manhã de sol
poderá ser colada sobre aquela outra, a da propaganda de margarina. Adotar é o
ato de nos fazer mais humanos, é derrubar preconceitos, utilizando o amor que
não pede nada em troca como caminho.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Realmente, esta é uma questão complicada. Se por um lado todas as exigências legais protegem, por outro tornam-se impeditivos. Há que se achar um equilíbrio, o que será bem difícil num país como o nosso. Como sempre, um ótimo texto, Mara.
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