A mulher brasileira
* Por
Júlia Lopes de Almeida
O europeu tem a respeito da mulher brasileira uma noção falsíssima. Para
ele nós só nascemos para o amor e a idolatria dos homens, sendo para tudo mais
o protótipo da nulidade.
Dir-se-ia que a existência para nós desliza como um rio de rosas sem
espinhos e que recebemos do céu o dom escultural da formosura, que impõe a
adoração... Nem uma nem outra coisa. Nem a mulher brasileira é bonita, se não
nos curtos anos da primeira mocidade, nem tão pouco a sociedade lhe alcatifa a
vida de facilidades. Ela é exatamente digna de observação elogiosa pelo seu
caráter independente, pela presteza com que se submete aos sacrifícios, a bem
dos seus, e pela sua virtude. A brasileira não se contenta com o ser amada:
ama; não se resigna a ser inútil: age, vibrando à felicidade ou à dor, sem
ofender os tristes com a sua alegria e sabendo subjugar o sofrimento. Parecerá
por isso indiferente ou sossegada, a quem não a conhecer senão pelas
exterioridades. Mas não tivesse ela capacidade para a luta e ainda as portas
das academias não se lhe teriam aberto, nem teria conseguido lecionar em
colégios superiores. A esses lugares de responsabilidade ninguém vai por
fantasia nem chega sem sacrifícios e coragem. Apesar da antipatia do homem pela
mulher intelectual, que ele agride e ridiculariza, a brasileira de hoje procura
enriquecer a sua inteligência freqüentando cursos que lhe ilustrem o espírito e
lhe proporcionem um escudo para a vida, tão sujeita a mutabilidades....
Se o seu temperamento é cálido e voluptuoso, a sua índole é honesta e
ativa e o seu pensamento despido de preconceitos.
Se uma mulher brasileira, (se há exceções? há-as de certo!) cai de uma
posição ornamental em outra humilde, é de rosto descoberto que procura trabalho
então vai ser costureira, mestra, tipógrafa, telegrafista, aia, qualquer coisa,
conforme a educação recebida, ou o ambiente em que vive...
Nessas ações, não há simplicidade, - há estoicismo e uma compreensão
perfeita da vida moderna: que é a guerra das competências. A brasileira vive
ociosa; é uma frase injusta e que anda a correr mundo, infelizmente sem
protesto. Por que?
Toda a gente sabe que no Brasil só não amamenta os filhos a mulher
doente, aquela que não tem leite ou que o sabe prejudicial em vez de benéfico!
Ricas ou pobres, as mães só têm uma aspiração: aleitar, criar os seus
filhos! Este exemplo devia ser citado, porque, à proporção que esta virtude se
acentua entre nós, parece que nos países mais civilizados vai se tornando
escassa!
A mulher brasileira ama com mais intensidade, talvez; dedica-se toda,
sem medo de estragar a sua beleza, às comoções da vida. Aí vemos as pobres
mulheres dos soldados, seguindo-os à guerra, acompanhando-os nas batalhas,
matando quem os fere, ferindo quem os ameaça, erguendo-lhes das mãos moribundas
a espingarda com que os vingam!
Estas energias não são filhas do acaso, vêm-nos da mistura de sangues
com que fomos geradas, vêm-nos desta natureza portentosa e que por toda a parte
nos ensina que a vida é uma grande fonte que não deve secar inutilmente!
***
Nos países tropicais a precocidade é tamanha que a existência da menina
passa como um sopro e começam bem cedo as responsabilidades da mulher. Por
vezes o assalto é tão repentino que não há tempo de preparar na criança o
espírito da donzela. Namorada de si mesma, no deslumbramento da mocidade, ela
afigura-se-nos então frívola e perigosa. Receia a gente pelo futuro da pobre
criança, estonteada pela vida como uma mariposa pela luz. Quanto mais
melindrosa é essa quadra, quanto mais vagares tem a imaginação, alvoroçada
pelos sentidos, de arquitetar castelos mentirosos! Felizes as donzelas pobres,
obrigadas pelas circunstâncias apertadas da vida a empregar a sua inteligência
e a sua atividade no trabalho e no estudo! São as mocinhas que, para irem às
aulas que freqüentam, engomam as suas saias ou cosem as suas blusas, as mais
habilitadas para a resistência das paixões ruins. Decididamente, o trabalho é o
melhor saneador de almas! E nós precisamos da nossa muito sã, porque só a
virtude da mulher pode salvar os homens, seus filhos e seus irmãos, no
descalabro das sociedades arruinadas ou em deliqüescência... A nossa força está
na nossa bondade e no nosso critério, coisas que, quando não são naturais,
fazem-se pela vontade.
Nós, as brasileiras, perdemo-nos pelo excesso de sentimento. Ainda não
aprendemos a dominar o nosso coração, que se dá em demasia, sem colher por isso
grandes resultados...
O europeu, tratado com rigor pela mãe, não tem por ela menos respeito
(talvez tenha mais!) nem menos carinhos que os nossos filhos têm por nós... que
nos desfazemos por eles em sacrifícios e ternuras! Parece que a blandície
perene enfraquece a alma do indivíduo, tornando-o um pouco indiferente...
***
Há muito quem afirme que no Brasil a mulher domina como soberana; e já
um escritor português disse dela, relatando as suas observações em um livro de
viagem:
"... A mulher deve ser, entre esta raça, superior a todas as
coisas. Vê-la passar na rua e compreender a comoção que ela causa é ter reconhecido
todo o alcance do seu prestígio. Inspira devoção, tem um culto. Não é mulher
companheira do homem, sua irmã de trabalhos e de penas; é a mulher ídolo, a
mulher sacrário. Mãe, filha, esposa ou cortesã, ela será neste país e para este
povo a suprema instigadora, e a sua vontade, como o seu capricho, terão o cunho
autêntico de leis, assim no lar como nas alcovas. Será ela quem predomine e da
sua boa ou má influência dependerá, talvez, o destino histórico desta
nacionalidade."
É possível que assim seja de futuro, visto que a brasileira de hoje tem
mais ampla noção da vida; a lição passada, porém, desgraçadamente, é outra.
A verdade, que deve aparecer aqui, é que nos acontecimentos culminantes
da nossa história, aqueles que nos fatos da nacionalidade brasileira iniciam
períodos de renovação e de progresso – a independência, a abolição, a república
– a intervenção da mulher, direta ou indiretamente considerada, quando não foi
nula foi hostil.
Entretanto, estes fatos, para só falar dos príncipes, tiveram todos
longa, persistente, tenacíssima propaganda, e realizaram-se sem a mulher ou...
apesar da mulher!
A sinceridade deste livro exige este desabafo doloroso.
*
Escritora e jornalista
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