Dona Doida
* Por
Adélia Prado
Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas
e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se
pôde abrir as janelas,
as poças
tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe,
como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu
inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os
chuchus e estou voltando agora,
trinta anos
depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que
me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido
ficou triste até a morte,
eu fiquei
doida no encalço.
Só melhoro
quando chove.
*
Adélia Prado é uma das principais poetisas brasileiras da atualidade, autora de
vários livros de sucesso.
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