quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Novidades sobre a morte

* Por Mara Narciso

“Quando eu morrer/ não quero choro nem vela/ quero uma fita amarela/ gravada com o nome dela”. (Noel Rosa 1910/1937)

O que poderá ser dito sobre a morte que ainda não se saiba? A minha mãe, Dra Milena Narciso, nascida em 1934 não queria viver muito. Repetia que tanto fazia morrer aos 68 ou aos 72 anos. Nisso foi atendida. A morte a colheu aos 68 anos, 32 dias após passar mal devido a um câncer no cérebro. Foi como uma queda de avião: súbita.

Meu primeiro contato com a morte foi o falecimento de um amigo do meu pai, cuja casa frequentávamos. Era dono de uma loja e deixou uma penca de filhos. Os problemas terrenos foram resolvidos de imediato. O empregado casou-se com a viúva e foi tomar conta da loja. Os sentimentos ficaram noutra seção.

Todos conhecem a imagem da morte personificada, a mulher sem face, sob um manto negro, levando uma foice. É uma ceifadora de vidas. Quando ela vem, fala-se em visita, em beijo. Aprende-se a temer a morte. Pena de morte é o pior castigo. Então, nosso imaginário viaja.

As religiões explicam o durante e o depois, porque para o homem, tão ciente da sua importância, força e soberania na Terra é obrigado a render-se frente a sua finitude. E se a morte não existisse teríamos problemas de ordem prática, pois as instituições perderiam seu sentido. Falou disso José Saramago no seu romance “Intermitências da Morte”. Como ninguém morria, para que religião, seguro de vida, e outros badulaques da civilização? Asilos lotados, multidões de moribundos que não morriam, e o caos. Não existir morte é condenar à vida eterna todos os viventes, inclusive aqueles que pedem pela eutanásia. Os fetos também teriam esse direito à vida? Bem, as clínicas de aborto devem ter se fechado de imediato nesse país imaginário. E os animais? Vejo que a humanidade seria obrigada a se transformar em vegana, mesmo não sabendo se os vegetais teriam direito a vida eterna. Também as ervas daninhas? Que baita confusão!

Para driblar o temor da morte, a sociedade criou seus eufemismos, lemas e frases bobas: está tudo diferente, até quem nunca morreu está morrendo; para morrer basta estar vivo; passar desta para melhor; subir para o andar de cima; encantar-se; partir; desaparecimento de fulano; o fim do novelo; virar estrela; esticar as canelas; ir para o céu; hora derradeira; caso eu venha a faltar; desligar a tomada.

Quando se fala muito em qualidade de vida, será preciso mencionar também qualidade de morte. Seria esta o objetivo da vida? Ah, amargas digressões! Quando médico e paciente vencem uma doença grave, venceram a morte, mas se a pessoa morre se diz que perderam. O homem é tão pequeno diante do desconhecido, que, não sabendo, inventa, cria estórias.

“Será que é só isso aqui e mais nada? Se for só isso, a vida é boba demais”, dizia algo assim, a minha mãe, que não era nenhuma filósofa, mas era observadora e grande contadora de coisas vistas e vividas. Como será viver a morte? Que seja rápida, e não aquela agonia lenta e dolorida. Os oncologistas, depois dos profissionais do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) são os médicos que mais lidam com a morte, e sabem quando o paciente entrou no chamado “estado de morte”. O paciente terminal já contabiliza suas perdas, e quem o cerca entra em luto antecipado. No caso de doença há um tempo para aprender a morrer. Diferente do infarto fulminante, uma dádiva para poucos escolhidos.

A Tanatologia se ocupa do estudo das consequências da morte, sendo uma educação para a morte, a compreensão do luto, da terminalidade. Há toda uma psicologia nesse lidar, mas, no geral, o indivíduo não quer se preparar. Acha melhor virar as costas para esta senhora. Como explicar a morte para as crianças? Há bons livros contando isso com ilustrações. A maioria das pessoas foge do tema e quer mais é se esquecer de que exista um fim. É um assunto tabu. E como diz um texto que circula na internet, atribuído a Dalai Lama: “Viva uma vida boa e honrada... Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, e depois perdem dinheiro para recuperar a saúde. E vivem como se nunca fossem morrer, e morrem como se nunca tivessem vivido”. Os humanos são insanos com a morte, especialmente quando se deparam com sua forma violenta.

Passeando pelo cemitério e falando com mais frequência sobre o momento final, vê-se que é possível desapegar-se das coisas dos vivos e aceitar generosamente a morte, mesmo por que não há outro jeito. Há quem implore aos que o cercam, pedindo-os para que não o deixem morrer. A fraqueza humana enternece, mas é preciso morrer com dignidade. Caso não se tivesse medo de morrer, não haveria medo de avião, e outras fobias, muito menos a síndrome do pânico. De fato a morte é importante para organizar as coisas por aqui. Saramago estava coberto de razão.


*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”    

4 comentários:

  1. Sim, Mara, Saramago tinha razão. "As Intermitências da Morte" é um livro espetacular e encerra, como todos os outros dele, reflexões amargas sobre a humanidade. Mas quero crer em outra vida, por mais insano que pareça. Ótimo texto, parabéns.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não li, mas pretendo ler, com calma, pois sei que Saramago é um autor que exige isso - li "Levantado do chão"-, muita calma. Faltou o artigo: "As intermitências da morte". Como agnóstica que sou, seria incoerência minha acreditar no Paraíso. Veja que falo da morte e nem menciono Deus. Para mim morrer é desligar a tomada. Espero que não tenha surpresas. Obrigada pelo carinho de sempre Marcelo.

      Excluir
  2. Minha mãe morreu aos 75, nunca havia feito nenhuma cirurgia, teve 10 filhos, todos parto normal. Esbanjava saúde mas nos últimos anos foi se definhando, especialmente depois que ficou viúva, e aí contraiu diabetes, hipertensão, etc... Enfim...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Trabalho com o diabetes há 34 anos. Sei como ele funciona em quem não consegue um bom controle. A pessoa que não consegue fazer um bom tratamento perde a vitalidade e a independência a olhos vistos. Por outro lado, tenho clientes com diabetes há 60 anos que continuam inteiros, com os cuidados exigidos pela doença. Previna-se, pois o diabetes é hereditário. Agradecida pela atenção, Edir.

      Excluir