Maria da Silva: Personagem da
vida real
* Por Victor José Caglioni
Ela é uma mulher
guerreira, que chamarei de Maria da Silva (fictício, embora nossa personagem
exista de verdade) teve que criar duas filhas sozinha, devido à insensibilidade
e machismo, por parte das crenças daqueles que disseram amá-la num primeiro
momento, mas a deixaram "a Deus dará”, quando era hora de criar o fruto de
um amor, cada dia mais comprovadamente apenas de sua parte. Com pouca
instrução, restou-lhe o trabalho de empregada doméstica, função na qual
trabalhou e trabalha há mais de 30 anos.
Nesse período, chegou a
passar fome, a receber comida de pessoas que se sensibilizavam com a situação
de diferença social, que explicitamente tem a ver com a quantidade de
pigmentação da pele de nossa amiga Maria. Entristece-se toda vez que lembra da
proclamação religiosa e dos êxitos financeiros daquele que a abandonou, como
algo descartável.
Ela, conhecida por
sorrir, mesmo reclamando. Tem-se a impressão ao falar com Maria da Silva, que
ela é uma festa só. Uma “pulsão de vida”, energia que coloca gentes que passam
muito tempo pensando e falando um monte de asneira no chão de vergonha.
Olha nos olhos daqueles
com quem fala, não com a malícia que vem se propagando nos dias de hoje, mas
com certa ternura tensa, que pergunta internamente: “Posso confiar em você?” ao
tempo em que também responde: “Eu quero poder confiar em você”.
Coração machucado, há
muito sofrimento tampado com sorriso, com simplicidade e educação
desproporcional ao esteriótipo criado por nós, classe média entendiada com
nossas automatizadas vidas entretidas de materialismos.
Caminhando pelas ruas
de sua cidade natal, comigo, Maria da Silva e eu presenciamos certas vezes, o
tal de racismo. Oh! coisa feia. Oh! coisa para machucar sem sangrar
externamente.
Lá no fundo os olhos de
Maria da Silva choram, mas ela diz: “Deixa, eu tenho pena, que essa gente ainda
não descobriu Deus”. Ela sorri e me convida a tomar um café; afinal,
compartimos desse hábito.
Sentamos, me contou que
voltou a estudar, está gostando mais de português, quer poder ler mais, um dia
quem sabe quando tiver um pouco mais de tempo, me mostrou alguns livros que
comprou num sebo no centro, títulos interessantes da literatura estadunidense e
brasileira.
Está esperançosa com
uma das filhas que esta por terminar sua tese de doutorado e vive longe, noutro
país, uma vida independente. É uma grande mulher, domina idiomas, tem um
currículo acadêmico e trabalhista de dar inveja à maioria dos filhinhos de
papai para quem Maria da Silva trabalha.
Aliás, dessa vez a
única reclamação que ouvi, foi que ela tem um pouco de dificuldade em dormir,
porque no apartamento que agora vive, de classe média, ao final do corredor há
um grupo de jovens universitários que passa o tempo a fazer bagunça e fumar (o
que ela diz ser maconha), durante a noite. Nem síndica, nem porteiro, nem um
senhor amigo seu, do apartamento do lado, conseguem convencer os mesmos de “não
incomodarem”. Segundo Maria da Silva, resultado de pais ausentes, grana presente!
Caminhamos pelo centro
da cidade, sob alguns olhares de estranhamento. Ao chegarmos à frente ao seu
prédio, Maria da Silva se despede de mim. Ela se prepara para mudar de cidade,
cansou! Precisa viver outras culturas, me disse.
Maria da Silva, não tem
estudo, mas sempre valorizou isso, educou sua filha na fé e na ética, que
aprendeu de família cristã e agradece muito aos amigos que tanto lhes ajudaram.
Humilde, ela diz: “Eu queria que essa gente aprende-se a valorizar mais as
pessoas pela essência, não pelas aparências”.
Maria da Silva é o
retrato de uma possibilidade emergente, econômica inclusive, um tanto ignorada,
daqueles que entendem que para crescermos como sociedade, devemos caminhar em
pró da nossa mentalidade, psique positiva, da nossa fé, da nossa boa vontade,
aos maus dizeres, sorri como quem, embora sofra, lamenta a ignorância alheia.
O porteiro abre a porta
do prédio e ficam eles conversando, enquanto eu me despeço pensando, em chegar
em casa e escrever sobre isso.
*
Sociólogo
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