Acuada pelas ruas, Globo joga a toalha e cospe no
prato de sangue em que comeu
* Por
Raul Longo
O Mea Culpa do
editorial do O Globo é insuficientemente ridículo. Já ouvi reconhecimentos
melhores de cidadãos alemães que apoiaram o nazismo e nem assim convencem seus
próprios filhos que imediatamente refutam a alegação dos pais de que ignoravam
os campos de extermínio, lembrando que não havia como ignorar a matança de
judeus-socialistas e ciganos.
Há inclusive documentos
que comprovam o apoio de judeus sionistas no extermínio de seus patrícios
socialistas, portanto a afirmação do lide do editorial de que “A consciência
não é de hoje, vem de discussões internas de anos, em que as Organizações Globo
concluíram que, à luz da História, o apoio (à ditadura militar) se
constituiu um equívoco.”, de forma alguma convence.
Se há anos discutem o
equívoco do apoio ao golpe de 64, porque continuam pagando a difusão de
equívocos totalmente infundados de seus editores, analistas e comentaristas?
Por que não demitem
William Waak, o colaborador da CIA, organização estrangeira promotora de golpes
de Estado por todo o continente, inclusive o de 64 no Brasil?
Por que, em todos esses
anos em que discutem, continuam se expondo ao ridículo dos equívocos de
previsões que nunca se confirmam, alardeadas por seus analistas econômicos
Carlos Augusto Sardenberg e Miriam Leitão? Por que insistem na volatilidade da
falta de conteúdo dos efeitos do vazio fraseológico de Arnaldo Jabor?
E o perfunctório Merval
Pereira? Por que o mantêm? Por que adotam a fraude informativa que provocou a
morte de uma desavisada, como ocorreu com a febre amarela inventada por Eliane
Cantanhede?
Apenas um
reconhecimento de que errou, não recobrará a simpatia pública. É o mesmo que
Nero reconhecer ter agido mal ao queimar o lado leste de Roma, anunciando que
queimará o lado oeste.
Muito fácil, e até
ridículo, o oportunismo do reconhecimento do erro de Roberto Marinho em apoiar
o golpe militar de 64. O que dirão aos familiares dos que foram estuprados,
torturados, mortos, exilados ou desaparecidos: “- Desculpem nossa falha
técnica.”?
Muito fácil dizer aos
desinformados dos acontecimentos de meio século atrás que O Globo apoiou
Juscelino Kubitschek. Mas o “Memória” do O Globo esqueceu-se da existência do
que é informado no verbete do próprio jornal no Wikipédia (vide aqui),
onde consta que: “Em 1955, com o Jornal Tribuna da Imprensa e contra todos os
demais periódicos, posicionou-se ao lado dos conspiradores que pregavam a
intervenção dos militares na política nacional, implantando um “regime de
emergência”, contra as eleições presidenciais, que acabaram sendo realizadas graças
à intervenção legalista do Marechal Lott, elegendo Juscelino Kubitschek,
Presidente da República.”
Seriam mais
convincentes se informassem que Mário Wallace Simonsen, por realmente ser amigo
de Juscelino, foi pressionado pela ditadura militar até o suicídio e falência
de todo seu grupo empresarial, então o maior do Brasil, para que a fraudulenta
Varig substituísse a Pan Air e a TV Globo a TV Excelsior.
Serão mais convincentes
quando a Globo parar de mentir dizendo-se a primeira rede de TV do Brasil, pois
quem tem verdadeira memória do início da década de 60 sabe que a primeira
transmissão em rede da TV brasileira foi entre a Excelsior do Rio de Janeiro e
a de São Paulo, em 1963. E a primeira a transmitir a cores, em 1962, muito
antes da Globo, então pequena emissora restrita ao Rio de Janeiro.
Já que o O Globo
reconhece o equívoco do apoio de primeira hora à ditadura militar, poderiam
reconhecer também que a aquisição da TV Paulista, canal 5, das Organizações
Victor Costa, se consistiu numa fraude apoiada pelo governo da ditadura. E que
Marinho lesou a família herdeira que ainda tenta recuperar judicialmente o que
lhes foi roubado. Ou que o Dr. Roberto mentirosamente declarou como mortos e
desaparecidos os acionistas para, numa assembleia presidida por ele mesmo e com
o apoio do Ministério das Comunicações da ditadura militar, em 1975 confiscar a
Cr$ 1,00 (hum cruzeiro) cada ação desses 673 sócios minoritários, tornando-se o
único proprietário da emissora.
Ridículo o editorial
lembrar que Roberto Marinho se posicionou com firmeza em defesa de perseguidos
da ditadura. Defendeu, sim, mas apenas aqueles cujo talento interessava à
montagem do império de comunicações, como Dias Gomes que apesar de filiado ao
Partido Comunista foi suportado por ser o autor dos maiores sucessos
dramatúrgicos da TV brasileira. E mantendo Dias Gomes, a Globo pôde trazer da
TV Tupi sua esposa, Janete Clair, a mais popular autora de telenovelas.
Mas com qual firmeza
Roberto Marinho defendeu Luiz Jatobá quando o médico e apresentador dos
telejornais da Globo acusou o péssimo atendimento dos hospitais públicos do Rio
de Janeiro, acirrando contra si a perseguição da ditadura que o obrigou a
exilar-se nos Estados Unidos?
Ridículo afirmar que ao
longo dos 20 anos em que perdurou a ditadura militar, o jornal O Globo sempre
tenha cobrado o retorno à normalidade democrática no mais breve prazo possível.
Ainda sem adotar o nome
de “Movimento das Diretas Já”, em 1980, a volta à normalidade democrática foi o
principal pleito do comício do Partido dos Trabalhadores em Diadema. E se
repetiu pelas demais cidades da região do ABC até que em 1983, em Abreu e Lima,
Pernambuco, no suposto aniversário do golpe de 64 que em verdade ocorreu em um
1º de Abril, um comício do PMDB responde à convocação do Senador Teotônio
Vilela pela TV Bandeirantes. Em junho daquele mesmo ano as manifestações do
“Diretas Já” se repetem em Goiânia e, no mês de novembro, em Curitiba.
O evento que realmente
se tornou precursor do “Movimento das Diretas Já” ocorrera 4 anos antes, em
1979. A Novembrada em Florianópolis, Santa Catarina, reuniu uma multidão de 10
mil pessoas, quantia bastante significativa para a população da capital
catarinense na época. Agredido verbalmente, com o apoio da tropa da PM, o
ditador em exercício, General João Batista Figueiredo, reage fisicamente.
Jovens e populares são encarcerados.
A única emissora de TV
que documentou o episódio (TV Cultura na época e atual TV Barriga Verde) teve
as imagens da reportagem destruídas, mas em 2009 ao comentar os 30 anos do
acontecimento pelo telejornal transmitido pela RBS que retransmite a TV Globo
em Santa Catarina, Luís Carlos Prates, que se projetou nacionalmente ao
considerar inadmissível a aquisição de automóveis por pessoas pobres, criticou
os participantes da Novembrada assegurando: “E desde quando, ao tempo dos
militares, fomos impedidos de estudar, de entrar nas livrarias e comprar um
livro, de escolher onde trabalhar, de ter o direito de ir e vir? Eu não fui”.
Apesar das alegadas
cobranças para o mais breve retorno à normalidade democrática, a realidade é
que todos os veículos das Organizações Globo omitiram a maior concentração de
pessoas do país desde as manifestações do movimento “O Petróleo é Nosso”, na
Praça Charles Miller em São Paulo, frente ao Estádio do Pacaembu, em 27 de
novembro de 1983.
A partir daquela data
as manifestações do “Movimento das Diretas Já” se repetiu em dezenas de
municípios brasileiros. Na menor delas, em Camboriú, também Santa Catarina,
reuniram-se 5 mil pessoas, mas mesmo o hum milhão de pessoas que em 10 de Abril
de 1984 compareceram à Candelária no Rio de Janeiro, cidade sede do
conglomerado de empresas das Organizações Globo, foi ignorado como inexistente,
apesar de ter constituído a maior manifestação popular até então já ocorrida na
história do Brasil.
Foi preciso elevar o
número de manifestantes para hum milhão e quinhentos mil no Vale do Anhangabaú
em São Paulo em 15 de abril de 1984, para só então Roberto Marinho e os
veículos de seu império de comunicações reconhecerem que, sim, o povo
brasileiro existe e não queria a continuidade da ditadura.
Somente após mais de um
ano da maior manifestação pública já ocorrida no Brasil se repetir mais de uma
vez por mês por todo o território nacional, é que Roberto Marinho oportunamente
fez redigir e publicou no O Globo o editorial em que rompe com a ditadura
militar.
Sendo assim, a que
propósito surge esse “Mea Culpa”, agora, reconhecendo um mero equívoco que
perdura por mais de meio século?
Também foi um equívoco
a famosa montagem do debate Lula x Collor em 1989, que custou a demissão de
Armando Nogueira, então diretor de jornalismo da TV Globo, por discordar da
fraude do “magnânimo” Marinho?
E o próprio Collor de
Melo? Outro equívoco?
E as mentiras sobre
Brizola que obrigaram Cid Moreira à leitura de um desmentido em pleno horário
nobre, judicialmente assegurado como direito de resposta? Equívoco um pouco
maior?
E a espetacularização
da denúncia do réu Roberto Jefferson que até hoje não se comprovou procedente?
Também um equívoco?
E o “jornalismo de
hipóteses”, alegado pelo editor de jornalismo da TV Globo para justificar a
improcedência da responsabilização de um Presidente da República por um
acidente aéreo, foi o quê? Também equívoco?
Se a Globo omite e
mente até quando resolve se desculpar pela própria mentira, em quantas
manifestações mais o povo terá de gritar “Fora Globo, que o povo não é bobo!”,
para então os veículos de comunicação da família Marinho começarem a dizer
alguma verdade?
Provavelmente só quando
o Brasil resolver reconhecer que o equívoco não é dos Marinhos, mas sim dos que
mantêm as concessões públicas a eles outorgadas. Só quando a sociedade
brasileira finalmente reconhecer o enorme equívoco que é se informar através
dos veículos dessa família e das demais a ela aliadas pela manutenção do
monopólio de informações em nosso país.
Nem mesmo os militares
remanescentes da tirania, responsáveis pelos impérios empresariais construídos
por essas famílias, já não mais se equivocam e se reconhecem como traídos por
aqueles a quem alimentaram, conforme se ironiza no comentário de quem distribui
o editorial. O que, então, falta a nação brasileira para reconhecer o grande
equívoco que incorre ao permitir a continuidade de uma Organização que
criminosamente manipula as consciências de nossa sociedade deformando o caráter
de nossa gente?
O equívoco não é dos
Marinho, mas de todos que os permitem. Essa é máxima culpa da nação brasileira.
* Poeta, jornalista
e escritor.
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