quinta-feira, 15 de março de 2018

O destruidor de alegrias - Gustavo do Carmo


O destruidor de alegrias



* Por Gustavo do Carmo


Sinto muito, ele não vem.

A noiva, com seu vestido decotado de renda branca, se pôs a chorar em uma tsunami de lágrimas. Ivan seguiu o seu caminho. Não a conhecia, mas sentiu-se vingado pelo que fez, sem nenhum remorso.

Afastou-se tranquilamente da multidão de convidados que a cercaram para consolá-la na porta da igreja. Não era uma situação inverossímil porque ele tinha falado a mesma coisa para o noivo, que encontrara meia hora antes, na rua dos fundos da matriz. Aliás, mesma coisa, não! A crueldade foi mais requintada.
Eu vi a sua noiva beijando outro quando passei por ela.

Estava voltando de uma corretora de valores em Botafogo, onde provocara a demissão de um ex-colega da faculdade de economia. Foi lá especialmente para dizer os podres do operador que o ignorava desde a formatura. Mostrou para o diretor um vídeo, no qual seu então amigo criticava a empresa onde trabalhava, e uma foto recente dele, tirada de uma rede social, em que o profissional aparecia com olhos virados de embriaguez e entornando duas tulipas de cerveja. Completou a vingança com uma acusação de cleptomania.


Depois de frustrar o casamento, Ivan foi abordado por uma mulher grávida. Mais do que uma simples mulher, aliás. Era uma ex-amiga sua. Ex-colega de ensino médio. Ele era apaixonado por ela. Agora a moça estava lá, barriguda de seis meses e esperando um filho de outro homem.

Trabalhando como repórter em um canal de televisão, ela o chamara para lhe dar uma opinião sobre uma matéria que fazia. Ivan ficou tão nervoso e frustrado pelo estado da conhecida, que a empurrou para espantá-la e não dar a entrevista. Ela caiu e perdeu o bebê. Foi socorrida pelo cinegrafista e a produtora, enquanto Ivan embarcava no ônibus que o levaria para o bairro do subúrbio onde morava.

Dentro do veículo, uma criança de uns dois anos brincava e o irritava. Falava alto e dava gritinhos quando ria. Ivan foi engolindo a raiva. Ouvia a mãe mandar o filho parar de gritar. No quinto grito, ele estourou.
Dá pra calar a boca?!
Quem é você para dar ordens no meu filho?! Indignou-se a mãe, enquanto o filho chorava.
Alguém que está cansado de ouvir essa criança chata piando como uma maritaca.
Quem cuida do meu filho sou eu. E só por causa disso vou deixá-lo gritar quando quiser! Mal-educado! Grosso! Esúpido! Os incomodados que se mudem. Se quiser, pega outro ônibus.

E foi isso mesmo que Ivan fez. Sob vaias dos outros passageiros. Pegou outro veículo dez minutos depois. Neste intervalo, viu, no ponto, um jovem casal de namorados. A moça era loura, cabelos curtos. O rapaz era negro, forte. Disparou para ele:
Ela te contou que é casada?
Não! Sério? Estranhou o rapaz assustado.
Seríssimo.
Vagabunda! Está tudo acabado! Gritou, esbofeteando a moça.
Você vai acreditar nesse louco que nunca viu a gente na vida? Quem está acabando o noivado sou eu! Você confia mais nos outros do que em mim!

E enquanto o casal discutia, chegou o segundo ônibus de Ivan, mais vazio do que o primeiro. Sacou o celular e fez uma ligação.
Aqui quem fala é um amigo. Presta atenção na sua mulher que ela está te traindo com o seu melhor amigo.

Desligou o telefone. Ajudou um cadeirante a entrar no ônibus pelo elevador. Na saída, auxiliou um idoso a descer.

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
Bookess - http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe -http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310


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