Ação com intenção e
sentido
Há,
principalmente entre o vulgo (e até mesmo entre pessoas cultas e
supostamente bem-informadas), uma série de equívocos e
interpretações errôneas sobre o significado da poesia e por
consequência daquele que a faz. Volta e meia sou interpelado, ora
com azedume, ora com ar de galhofa, quando afirmo que os poetas têm
visão mais lúcida e objetiva da vida do que as demais pessoas,
mesmo que sua postura pareça insólita, incoerente ou utópica.
“Mas
como?!”, interrogam-me admirados, como se eu estivesse dizendo o
maior dos disparates, “se eles se alimentam de fantasias vivem fora
da realidade”? Os poetas são, como se vê, estereotipados. São
rotulados como incorrigíveis sonhadores, como os que mantêm a
cabeça permanentemente nas nuvens e, por conseqüência, os pés
fora do sólido solo da realidade. Enganam-se os que os vêem dessa
maneira. Os poetas são, na verdade, homens de ação. Às vezes,
agem até demais, impulsivamente, movidos exclusivamente pela emoção,
em detrimento da reflexão. Mas agem.
A
professora de Teoria Literária da USP/UNICAMP, Adélia Bezerra de
Meneses, observa a propósito: “Sabemos que na Grécia as funções
de adivinho, poeta e sábio muitas vezes se sobrepunham no mesmo
poder mântico, na capacidade excepcional de ver e de viver para além
das aparências sensíveis. Nas palavras de Vernant (Jean-Pierre,
historiador e antropólogo francês, 1990), eles possuiriam ‘uma
espécie de extra-sentido, que lhes descobre o acesso a um mundo
normalmente interdito aos mortais’. E desde longa tradição, não
apenas os adivinhos são cegos, como por exemplo Tirésias, pois têm
o dom de ‘ver o invisível’, mas também os poetas, de Homero aos
cantadores do Nordeste, passando por Camões. Cegos dos olhos do
corpo, porque têm uma outra visão, normalmente interdita aos
mortais”.
Há,
em contrapartida, pessoas que refletem muito, são especialistas em
dar palpites, mas na hora de agir... É aquela tragédia! Não são
poetas. Omitem-se, acovardam-se, transferem tarefas que lhes competem
fazer para outros. Não cometem erros, é verdade (ou os têm em
menor quantidade do que outros), mas, pudera: nada fazem! Os poetas
(salvo exceções), por sua vez, não são assim. Não por acaso, em
grego, “fazer poesia” tinha o significado de agir, de atuar, de
realizar, de construir. Portanto, até semanticamente, não há
nenhum exagero na reflexão de André Maurois, quando afirma que “o
homem de ação é, antes de tudo, um poeta”.
Um
“poema” (poiema em grego) era, para os “pais da civilização
ocidental”, “coisa feita”. Ou seja, era fruto de uma ação. A
palavra “poeta” provém de “poietés”, significando
fabricante, produtor, criador, ou aquele que faz. Sonhador? Até pode
ser. Mas é o homem de ação por excelência, o que sabe transformar
o sonho em realidade e transforma.
Hilda
Hilst escreveu, em matéria sobre o Dia Mundial dos Poetas (publicada
em 21 de setembro de 1983, pelo Correio Popular de Campinas, (cidade
em que viveu e onde morreu): “O poeta tem os olhos no espírito do
homem, no possível infinito. Quando o poeta fala, não fala do
palanque, não está no comício, não deseja riqueza, não barganha,
sabe que o ouro é sangue, sabe de cada um a própria fome. Enquanto
vive o poeta, o homem está vivo!”.
Carecemos,
nos dias atuais, de uma certa rebeldia face à corrupção, aos
desmandos e à violência que campeiam e se multiplicam, arruinando
as nossas vidas. Onde foram parar os grandes sonhos da juventude?
Onde estão os valores éticos defendidos com destemor? Foram
substituídos pelo comodismo? Foram trocados por posições? Foram
abastardados? O pior de tudo é que aqueles idealistas da década de
60 renegaram por completo seus ideais a ponto de sequer passá-los a
seus filhos. Daí o cínico desalento de hoje, o individualismo
inconseqüente, a busca por meras miragens, estas sim “caretices”
de quem não tem rumo e nem sonhos pelos quais batalhar. Faltam
homens de ação. Carecemos de poetas, no sentido original.
As
sociedades humanas, desde tempos imemoriais, sempre precisaram de
líderes, de pessoas muito especiais, dotadas de iniciativa, com
capacidade inata de comunicação e talento, para guiá-las. Em cima
dessa necessidade é que se estruturaram as hierarquias – desde
as familiares (nos clãs), às tribais e posteriormente comunitárias
e nacionais. Como ocorre com todos os animais, possivelmente até por
questões genéticas, alguns indivíduos nascem com aptidões maiores
do que outros. São os que normalmente constituem as elites. Quando
não, se transformam em rebeldes, em contestadores, em questionadores
que não se submetem ao status vigente. São os revolucionários,
fatores essenciais de mudanças, para o bem e para o mal. São os
poetas na verdadeira acepção do termo. Não da do vulgo e dos
pseudo-intelectuais, acomodados e mal-informados. Mas no sentido
original, dos que agem com intenção e sentido e cujas ações
apresentam resultado. Conceitualmente, pois, eu não preciso escrever
versos para ser poeta. Talvez os mais legítimos foram os que nunca
escreveram uma reles linha. Possivelmente nem mesmo sabiam escrever.
Mas foram gigantes. Deixaram suas marcas. Agiram. Atuaram
positivamente para o avanço da civilização.
Para
ser poeta e merecer essa designação tenho é que “sentir” a
poesia (a obra, portanto). Tenho que ter os olhos no infinito. Tenho
que falar não a linguagem dos palanques, mas a da sensibilidade e da
razão. Sejamos, pois, este tipo de poeta, ou seja, líderes na
construção de um mundo de justiça e de paz. Ainda há tempo. Só
não se sabe quanto!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Uma sacudida de peso em nossos brios.
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