O pedinte da rodoviária
* Por Rodrigo Ramazzini
- Licença! Boa noite! O senhor tem um minuto?
Era noite de
uma quinta-feira. Sérgio acabara de sentar em um banco da rodoviária, depois de
mais um dia de trabalho, a espera do ônibus de volta para casa, que só sairia
dali a 15 minutos, quando um homem sentou-se no banco ao seu lado e puxou
conversa. Sérgio respondeu secamente:
- Boa noite!
Fale...
- Meu nome é
Ismael. É o seguinte... Eu não sou daqui. Cheguei aqui na capital hoje pela
manhã e logo fui assaltado ali no Centro por dois caras armados. Colocaram os
revólveres na minha cara e deram uma coronhada na minha cabeça. Levaram todo o
dinheiro que eu tinha na carteira, o celular e até a minha aliança. Fiquei sem
nada. Fui à prefeitura pedir ajuda e eles me conseguiram uma passagem de volta
para a minha cidade. Só que para amanhã... Sexta-feira... Eu estou sem comer
desde a manhã. Eu sei que não é permitido pedir dinheiro aqui na rodoviária...
E se eles me veem, até me expulsam... Mas, o senhor não me consegue um trocado
para eu comprar um pastel para matar a fome? É difícil estar nesta situação de
pedinte... Sou homem trabalhador... Pai de família... Tenho duas crianças para
criar, sendo que uma delas é especial... O senhor sabe como é...
Sérgio olhou
o pedinte de cima a baixo. Era um homem alto, magro, de pele branca, cabelos
curtos e escuros, sobrancelhas grossas e nariz acentuado. Calçava um tênis com aparência de novo, o que
chamou a sua atenção imediatamente. “Se os caras roubaram até a aliança por que
deixaram os tênis? Esta história está mal contada...”, pensou. Para disfarçar e
seguir a sua avaliação, fez um comentário corriqueiro sobre a questão da
segurança:
- Não está
fácil hoje em dia. A violência está em todo o lugar e a toda hora...
Teceu o
comentário e seguiu a analisar o homem. Ele vestia uma calça de brim desbotada,
uma camiseta vermelha e uma jaqueta. Muito bem apresentável para um pedinte. Ainda,
portava uma pequena mochila, o que reacendeu nova desconfiança em Sérgio. “Não
tinha roubado tudo? Como ele tem uma mochila?”, perguntou para si mesmo.
- A
violência está demais mesmo. Estou ainda em choque!, respondeu o homem ao
comentário de Sérgio.
Silêncio
entre os dois. Os detalhes da recente conversa com o homem que lhe pedia
dinheiro agitavam os pensamentos de Sérgio. As conclusões foram saindo em forma
de impulsos cerebrais:
“Se ele não
é daqui, como ele sabe que não pode pedir dinheiro na rodoviária?”
“Onde ele
mora que só tem ônibus amanhã de manhã? Que eu saiba tem ônibus para tudo que é
lugar a toda hora.”
“Estranho a
prefeitura ter conseguido a passagem, mas não abrigo e algo para ele comer.”
“Só pode ser
mais um desses vagabundos que pedem dinheiro para comprar cachaça ou crack e
que largou a mulher e um filho no mundo para viver na rua.”
Sérgio e o homem
se olham novamente. Então, ele indagou:
- Vais poder
me ajudar?
Sérgio
respondeu que não tinha dinheiro, que final de mês é complicado, e desejou
sorte ao homem, que levantou do banco e saiu constrangido.
“Eles acham
que passam a gente para trás com esta lábia! Que são espertos! Mas eu sou mais
esperto”, pensou Sérgio, que logo embarcou no ônibus.
Quando o
ônibus deixava a rodoviária, pela janela, Sérgio enxergou o homem sentado em
uma lancheria, comendo um pastel.
“Será que eu
fiz um mau julgamento do homem? Será que ele estava falando a verdade? Será que
era realmente apenas um homem faminto?”, refletiu sentindo certo remorso.
Ao chegar a
sua casa, com o sentimento de culpa, orou pedindo perdão e que Deus iluminasse
a vida daquele homem.
Enquanto
isso, Ismael descansava em um banco da rodoviária e mascava um chiclete, depois
de matar a fome comendo um pastel pago do próprio bolso. Estava à espera da
próxima vítima. Era um conhecido “trambiqueiro” da área, que passava o dia
pedindo dinheiro, realizando pequenos furtos ou vendendo mercadorias Made in China. Dependia do dia...
* Jornalista e contista gaúcho
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