Jarbas
Vasconcelos e o Bolsa Família, de novo
* Por
Urariano Mota
Nesta semana, o
deputado Jarbas Vasconcelos declarou em entrevista por telefone à Rádio Jornal, do Recife:
“Essa gastança com
programas sociais é sem limite... Por exemplo, ele transformou o bolsa família
numa compra de votos. Eu não estou dizendo isso de agora. Digo de anos
atrás.... Mas o governo não pode fazer uma coisa como fez em larga escala,
tirando gente da escola, fazendo com que essas pessoas hoje vivam disso, e não
queiram sequer trabalhar”.
Sobre esse coice no
rádio, é preciso destacar duas ou três coisas. Na primeira delas, a deputado
estadual Teresa Leitão foi bem didática, na medida de sua indignação:
“Com 11 anos de
existência, o programa atende hoje 14 milhões de famílias, mas nesse período,
mais de 3,1 milhões deixaram de utilizá-lo voluntariamente, por terem superado
o limite de renda prevista no programa. Dados do Ministério do Desenvolvimento
Social mostram que mais de 96% dos 15,7 milhões de estudantes monitorados
cumprem frequência mínima de 85%”.
Na segunda coisa que
observo, quando Jarbas declara que não fala mal do Bolsa Família agora, pois a
repete há anos, porque o governo federal faz com que essas pessoas vivam disso,
e não queiram mais trabalhar, nesse caso particular, como um traço da
personalidade que enrijeceu, virou casca grossa, ele tem razão. De fato, na
reportagem “Garçom, procura-se”, que publiquei na Carta Capital em março de
2009, há 6 anos, portanto, pude confirmar a ignorância ou preguiça de se
informar do nobre deputado.
Na época, o então
senador Jarbas Vasconcelos achou por bem expressar, vestir o seu preconceito de
classe com uma bela mentira. Então, ele assim falou em entrevista à revista
Veja:
“Há um restaurante que
eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife.
Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu.
Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra
para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família”.
Então caí em campo
para descobrir o garçom que abandonara a profissão. De posse de duas Bolsas
Família desistira de trabalhar. Isso porque, é claro, estaria em melhor
situação, como se estivesse a cantar em redes ao balanço, “pois vivo na
malandragem, e vida melhor não há”. Fui a campo, ao mangue, à praia, a Brasília
Teimosa, ao vizinho bairro do Pina, à procura dos bares frequentados pelo
senador nos “últimos 30 anos”.
A lógica era primária.
Antes do garçom, havia que localizar o restaurante em Brasília Teimosa, onde
antes de se balançar em redes, a cantarolar sambas, ele trabalhava. Acreditem,
no bairro e vizinhança fui aos seis maiores restaurantes, lugares de assento do
senador. Insatisfeito, fui a mais dois médios, onde ele nos últimos tempos
poderia ter passado. E a dois próximos de restaurantes médios, onde ele, talvez
quem sabe, num lapso pudesse ter acenado de passagem.
Manda a experiência, que
antes de chegar ao local do crime o repórter pesquise, pergunte às pessoas
invisíveis, mas que tudo veem. Por isso antes de entrar no primeiro, perguntei
a duas senhoras idosas, uma delas moradora do bairro há mais de 40 anos. Ou
seja, 10 antes de Jarbas Vasconcelos começar a beber e comer nas redondezas.
- Boa tarde. Me diga
por favor: esse restaurante aí é frequentado por Jarbas?
- Jarbas?!
- Jarbas Vasconcelos,
o senador.
- (Com pena do
repórter) Hen-hen... Só se ele vem escondido, de madrugada. Eu passo o dia
todinho aqui, sentada, olhando o movimento. A não ser que ele vá em outro. Mas
pergunte aos empregados, eles sabem. O senhor é pastor?
Como não é comum
evangélico de barbas grisalhas, imaginei que a bondosa senhora me confundiu com
algum fundador de igreja nova. Pergunto ao flanelinha por Jarbas, que Jarbas?,
nada. Entro no restaurante. E pergunto, como se uma resposta positiva fosse uma
valorização, que me faria escolher o lugar para comer. É uma hora da tarde.
- Jarbas Vasconcelos
vem sempre aqui?
- O senador?! Olhe,
faz muito tempo que não. Eu trabalho aqui há mais de um ano.
Devo dizer que àquela
altura a raiva invadiu o repórter. Estava começando a cansar dos restaurantes
onde Jarbas ia há mais de 30 anos. Melhor dizendo: estava cansando de ir aos
restaurantes de Brasília Teimosa onde Jarbas não punha os pés há mais de 10
anos. Perguntava a motoristas de táxi, a pedintes, a soldados da PM, a
flanelinhas, a frentistas nos postos, a seguranças, a moradores vizinhos, a
gerentes, até a mim mesmo, “Jarbas vem sempre etc.?”. Algo me dizia que o
senador da república andara trocando datas, políticos e garçons. Algo me
gritava que a memória do ilustre senador pregara uma peça.
E mandei para a
revista o resultado da minha busca: o garçom que pediu demissão para viver de
bolsa família nunca jamais existira. Agora, nesta semana o garçom voltou em
nova feição. Mas desta vez sem ser um personagem. A mentira e o preconceito é
que sobrevivem, na prática do deputado federal Jarbas Vasconcelos. Mas ainda há
quem lhe dê crédito. A comédia ficou tragicômica.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho
renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros.
O preconceito tem dirigido com perfeição os ideais do pessoal da direita.
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