Michael
Jackson ou Shirley Temple?
* Por Daniel
Santos
Os meninos brancos são mais felizes. Os
meninos brancos bem vestidos são ainda mais felizes. Os meninos brancos bem
vestidos e que tomam sorvete, esses nem se fala. Mas melhor mesmo é viver a
infância!
A infância foi, no entanto, o que
vetaram ao “virtuose” da talentosa família Jackson – esse tal Michael ... nem
preto nem branco, nem criança nem adulto, nem homem nem mulher: ele, sim,
metamorfose ambulante!
Viveu enclausurado na Terra do Nunca, a
sua Neverland, na pífia fantasia de
Peter Pan. Mas este era menino por pirraça existencial e que se negava a
crescer, enquanto Michael, mesmo adulto já, vivia regredido.
Quanto mais velho, mais a voz
esganiçava-se na vã tentativa de se convencer (mais que ao mundo) da própria
pureza, e mal disfarçava o medo de que alguém lhe dissesse que a vida não é
rosa, mas encardida.
Maior o medo, maior o grito ... que
nunca foi de revolta. E como se revoltar, se tinha de renovar disfarces para
escapar aos mortos-vivos de “Thriller” (todos lembram da obra-prima, claro) que
lhe faziam o cerco?
Pois tanto correu dos monstros que
ultrapassou a própria vida e, agora, não pode mais voltar. Sim, foi-se de vez!
Pequeno e indefeso em excesso para suportar uma realidade que nunca entendeu,
abdicou-se!
O mundo há de prantear essa perda; mais
ainda os Estados Unidos, que assinalam uma relação metafórica com o grande
astro: chega a hora de os americanos saberem que, por força da crise, terminou
a bonança.
Nunca mais as mansões, os carrões ...
Ah, nunca mais! Mas quem lhes dirá isso? Obama está tentando, mas o poder de
convencimento depende da capacidade de autocrítica, de se aceitar um pouco
menor.
Ou encara-se a iminência de uma nova
ordem mundial, ou restará aos americanos a zanga dos pirracentos. Aí, em vez de
Michael Jackson, veremos o prodígio Shirley Temple espernear numa fúria sem
glórias.
* Jornalista carioca. Trabalhou
como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da
"Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Uma visão boazinha do talentosíssimo escravo das suas e das loucuras do seu pai, Michael Jackson.
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