Quem faz rir e faz chorar
O escritor Saul Bellow teve não somente vida longa, mas foi
muito bem sucedido na atividade que abraçou. Poucos o foram, são ou serão. Se
estivesse vivo, teria completado cem anos de idade em 10 de junho deste 2015.
Morreu dez anos antes. Para ser mais exato, faleceu em 5 de abril de 2005, dois
meses e cinco dias antes de celebrar 90 anos. Sua bibliografia nem é tão
extensa, comparada com a de tantos outros escritores. Todavia, o que publicou é
de altíssima qualidade literária. Não por acaso, Bellow integra o seletíssimo
rol dos ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura: o de 1976. Escrevi vários
comentários sobre esse escritor. Portanto, por melhor pesquisador que eu seja
(e considero-me, no mínimo, bom), dificilmente conseguirei trazer à baila algo
novo a seu respeito. E isso importa? Ademais, a leitura tende a ser rotativa.
Por isso, a reiteração se justifica.
Redatores um tanto distraídos, ou que não se apegam a
detalhes, caracterizam Saul Bellow como escritor norte-americano. Estão e,
simultaneamente, não estão certos. Como assim?!! Bem, adianto que ele não
nasceu nos Estados Unidos. Para ser exato, é canadense, natural de Lachine.
Todavia, integra o longo rol dos norte-americanos ganhadores de Nobel. Isso
porque fixou residência nos Estados Unidos, cuja nacionalidade assumiu.
Tornou-se, portanto, para todos os efeitos, cidadão norte-americano de fato e
de direito. Há quem o caracterize, todavia, como escritor judeu, dada sua
origem étnica. Querem saber de uma coisa? Para mim, homens notáveis, como Saul
Bellow e tantos outros, deveriam ser caracterizados, simplesmente, como “cidadãos
do mundo”, o que sempre foram, sem nenhuma nacionalidade específica.
É certo que vários dos seus personagens, da relativamente
vasta legião que criou, são judeus típicos, com seus costumes, tradições e
problemas característicos. Entre estes, sem dúvida, destaca-se, o preconceito,
que sempre acompanhou (e ainda acompanha) esse povo, onde quer que viva. Mas...
não se pode esquecer, também, que Bellow foi considerado por muitos (e ainda é)
como o “grande cronista de Chicago”, cidade em que se fixou e que compreendeu
(e descreveu) como poucos. E os judeus foram discriminados nos Estados Unidos,
onde mais prosperaram e se destacaram? Foram! Não, óbvio, como na Europa. Não
como na Rússia, onde foram vítimas de inúmeros “pogrooms”. E muito menos como
na Alemanha nazista, onde o paranóico Adolf Hitler empenhou-se para eliminar
essa etnia da face da Terra. Embora sutilmente, porém, foram discriminados,
sim, nos Estados Unidos, pelo menos até 1945, quando os horrores do Holocausto
vieram à tona. Depois disso... a discriminação foi velada, mas não desapareceu.
Afinal, não ficava bem, nem para o mais empedernido racista, revelar seu
preconceito racial ostensivamente, após a opinião pública haver tomado ciência
do extermínio ocorrido nos perversos e absurdos campos de concentração alemães.
Saul Bellow consagrou-se como escritor não somente pelos
enredos que criou. É tido e havido (com justiça) como mestre de ficção em
língua inglesa, num país que produziu romancistas do porte de Scott Fitgerald,
William Faulkner, Ernest Hemmingway, John dos Passos, John Steinbeck e tantos e
tantos e tantos “monstros sagrados” da Literatura mundial. Seu estilo peculiar,
que mistura altíssima e erudita cultura com a esperteza das ruas de Chicago,
influenciou uma legião de escritores, entre os quais Philip Roth (eterno
postulante ao Nobel de Literatura), Ian McEwan e Martim Amis, para citar,
apenas, três dos mais expressivos. Foi, pois, um gênio, e reconhecido como tal.
Diz a lógica que nada é mais apropriado, para marcar o centenário
de um escritor, do que lançar, ou relançar algum de seus livros, de preferência
o que melhor o caracterize. Pois é o que a Companhia das Letras faz, lançando,
no Brasil, “A conexão Bellarosa”. O volume reúne quatro novelas de Saul Bellow:
a que dá título ao livro e mais “Um furto”, “Uma afinidade verdadeira” e “Ravelstein”.
São todas produções da (digamos) fase final da vida do autor. A esse propósito,
Martim Amis afirmou: “Há muita coisa acontecendo nessas ficções curtas, enredos
emaranhados (por vidas emaranhadas) e intensa arte formal”. E há de fato.
Recomendo-lhe, paciente leitor, que confira por si só.
Entre as tantas observações inteligentes e originais de Saul
Bellow, pincei esta, que me fascina pela verdade e pela elegância, em um de
seus livros (não anotei de qual): “Eu quero dizer-te: não te cases com o
sofrimento. Algumas pessoas fazem-no. Casam-se com ele, dormem e comem juntos,
como marido e mulher. Se se deixam levar pela alegria acham que é adultério”.
Evidentemente, não é. Case-se, sim, mas com o positivo, com a felicidade e com
a alegria. Sinta-se e seja feliz! Do livro “A conexão Bellarosa”, extraio esta
constatação contida em determinado trecho da novela “Ravelstein”: “(…) Dos
escritores, esperamos que nos façam rir ou chorar”. E Saul Bellow faz ambas as
coisas com maestria e mega sensibilidade.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Esses talentos impetuosos que nos deixam sem palavras.
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