500 ou 515 anos de corrupção 2
* Por
Mouzar Benedito
(CONTINUAÇÃO)
Limpando os cofres
O Banco do Brasil foi
fundado e refundado várias vezes. A primeira delas foi em 1808, por Dom João
VI, depois da sua chegada ao Rio de Janeiro, fugindo das tropas de Napoleão que
invadiram Portugal. Ao voltar para Portugal, em 1821, Dom João VI pegou todo o
dinheiro depositado no banco. Levou tudo!
O ministro honesto
Em 1831, depois da
abdicação de Dom Pedro I em favor de seu filho, Pedro II, o ex-imperador seguiu
para a Europa no navio Warspite. Com ele, o fiel Marquês de Paranaguá, antigo
ministro da Guerra.
Paranaguá estava
apreensivo, pois teria que viver com uma pequena aposentadoria que tinha em
Portugal, não fez fortuna no governo. A bordo do Warspite, ele recorreu a Dom
Pedro em busca de uma solução para seu problema e ouviu o seguinte do
ex-imperador: “Faça o que quiser, não é da minha conta. Por que não roubou,
como Barbacena?”. Barbacena, no caso era o ex-ministro da Fazenda, Visconde de
Barbacena.
Caudilhos corruptos
No Rio Grande do Sul
são famosos os caudilhos que combateram argentinos e uruguaios, com exércitos
próprios e às vezes guerreavam entre si. Mas entre os caudilhos também havia
corruptos. Na Guerra do Paraguai, por
exemplo, suas tropas foram contratadas pelo governo brasileiro, para defenderem
as fronteiras brasileiras. Mas quando as tropas brasileiras chegaram a Uruguaiana,
em 1865, praticamente não encontraram resistência. Onde estavam os caudilhos e
suas tropas? Segundo Julio Chiavenato, no seu livro Os Voluntários da Pátria,
alguns caudilhos receberam dinheiro para manter milhares de soldados e na
verdade não tinham soldado nenhum, embolsaram o dinheiro. Entre eles, Davi
Canabarro e o general João Felipe Netto.
Nelson Werneck Sodré,
em seu livro História Militar do Brasil relata caso semelhante na Guerra
Cisplatina (1825-1829), que terminou com a independência do Uruguai, até então
pertencente ao Brasil, com o nome de Província Cisplatina.
Caxias e o denuncismo
Depois de entrar em
Assunção, em 1869, na Guerra do Paraguai, o Duque de Caxias estava doente e
resolveu voltar para o Brasil. Solano Lopez já estava derrotado e passou a ser
caçado, literalmente. Deixou a guerra ganha e voltou, usando quatro mulas do
Exército para trazer seus bens. Foi chamado de ladrão de burros no Congresso,
acusado de ter roubado as quatro mulas que pertenciam ao governo. Ele era
senador e, ainda muito doente, foi se defender no Senado. Primeiro, mostrou que
pela lei ele tinha direito de usar as quatro mulas, depois comprovou que tinha
devolvido os animais assim que chegou.
Alistamento militar
Em 1874, a Lei 2556
alterava os critérios de recrutamento de soldados para o Exército e a Armada
(Marinha): os recrutados, de 18 a 35 anos, podiam ser dispensados mediante o
pagamento de 400 mil réis, o que tornava o privilégio inacessível para os
pobres, pois um artesão ganhava 30 mil réis por mês. O recrutamento se tornou
um verdadeiro negócio. Houve abusos e perseguições, resultando numa insurreição
feminina chamada “Guerra das Mulheres”. Elas invadiam igrejas, rasgavam editais
e faziam passeatas em várias partes do Brasil.
Rui Barbosa e a
decepção
Rui Barbosa foi
ministro da Fazenda no governo do Marechal Deodoro, o primeiro da República.
Anos depois ele se mostrava decepcionado com os desacertos e a corrupção da
República: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a
desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os
poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da
honra, a ter vergonha de ser honesto. Essa foi a obra da República nos últimos
anos”.
Graciliano e a boa
administração
O escritor Graciliano
Ramos foi prefeito de Palmeira dos Índios, Alagoas, e seus relatórios sobre a
administração ficaram célebres, tanto pela forma quanto pelo conteúdo. Este é o
trecho de um deles:
“No orçamento do ano
passado houve supressão de várias taxas que existiam em 1928. A receita,
entretanto, calculada em 68:850$000, atingiu 96:924$985. E não empreguei
rigores excessivos. Fiz apenas isso: extingui favores largamente concedidos a
pessoas que não precisam deles e pus termo às extorsões que afligiam os matutos
de pequeno valor, ordinariamente raspados, escorchados, esbulhados pelos
exatores”.
Itaipu
Segundo a revista
Times, numa edição de 1981, empresas européias deram 140 milhões de dólares em
propinas e suborno para autoridades brasileiras, para pegarem uma fatia da
construção da usina de Itaipu.
O escândalo da
mandioca
Na pequena cidade de
Floresta, Pernambuco, a agência do Banco do Brasil fazia empréstimos a pessoas
influentes do estado, supostamente para plantar mandioca. Mas elas nunca
pagavam: alegavam que a seca destruíra os plantios que nunca foram feitos e os
prejuízos eram cobertos pelo seguro agrícola. Em 1981, quando se descobriu a
mutreta, calculava-se que o valor total dos “empréstimos” chegara a 700 milhões
de dólares. Pedro Jorge de Melo e Silva, procurador da República, encarregado
de apurar o caso, foi assassinado em Olinda, em 3 de março de 1982. Entre os
acusados pelo assassinato, foi preso e condenado o major PM José Ferreira dos
Anjos, que fugiu da cadeia em seguida e só recapturado em 1996. O processo de
desvio de dinheiro não foi concluído e, claro, nenhum dinheiro foi devolvido.
Flagelados da seca
No Nordeste, é antiga
a chamada “indústria da seca”. O dinheiro destinado a socorrer as vítimas da
falta de água acabam em sua maior parte nos cofres de políticos e autoridades.
E a parte que vai para a população nem sempre é para quem precisa. Um exemplo
foi levantado em 1981, em São Raimundo Nonato, no sul do Piauí. Dos 2700 flagelados
alistados para receber um pequeno salário para trabalhar nas frentes de
trabalho, 1200 eram comerciantes com boa situação financeira, proprietários
rurais e até médicos.
Jogando no ventilador
É comum justificar a
corrupção como coisa que todo mundo faz. Quem não faz, sai perdendo. O
empresário Emílio Odebrecht disse em entrevista publicado no Jornal do Brasil,
em 24 de maio de 1992: “Eu acho que a sociedade toda é corrompida e ela
corrompe. Hoje, para o sujeito resolver alguma coisa, até para sair de uma fila
do INPS, encontra seus artifícios de amizade, de um presente ou de um favor.
Isso é considerado um processo de suborno. O suborno não é um problema de
valor, é a relação estabelecida”.
Previdência
deficitária
Todos os governos
dizem que a previdência é deficitária, justificando o achatamento do valor das
aposentadorias. Mas o dinheiro que entra no sistema previdenciário é utilizado
para muitas outras coisas, como o pagamento de dívidas de outros setores. Parte
dele foi usado, por exemplo, para ajudar a pagar a Usina de Itaipu. No governo
de José Sarney, na década de 1980, o ministro da Previdência, Waldyr Pires,
cortou isso. Acabou com esse desvio e nesse período não faltou dinheiro na
Previdência.
Quem devia tomar
conta…
Recentemente, a
Operação Curupira prendeu dezenas de pessoas de vários estados. Funcionários do
Ibama, órgão encarregado de proteger o meio ambiente, estavam fazendo
justamente o contrário, colaborando na extração ilegal de madeiras de lei. Entre
os acusados, estava o Secretário Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso, o
superintendente do Ibama no mesmo estado e o presidente da Fundação Estadual do
Meio Ambiente. Os prejuízos causados pelas fraudes cometidas foi superior a um
bilhão de reais.
São comuns casos
semelhantes na Funai, órgão encarregado da proteção aos índios.
Pizza gigante
Em novembro de 1988, o
senador Carlos Chiarelli (PFL-RS), relator da CPI do Senado que investigava a
corrupção no governo federal, denunciou 29 pessoas, incluindo o presidente José
Sarney e vários ministros, acusados de usar critérios escusos na liberação de
verbas públicas e favorecer algumas empresas na contratação de serviços
públicos. Mas o processo foi arquivado, por pressões do PFL e do PMDB.
Financiamento de
campanhas
Uma velha denúncia da
fundação Konrad Adenauer, da Alemanha, foi lembrada pelo professor Galvão de
Souza, da PUC-SP: “Uma das formas mais comuns da corrupção dos estados
democráticos envolve o financiamento dos partidos políticos”. No tempo dos fins
da ditadura no Brasil, o ex-ministro Paulo Brossard dizia: “A democracia no
Brasil é relativa, mas a corrupção é absoluta”.
Corrupção folclorizada
O brasileiro se
acostumou tanto à corrupção nos governos que, em vez de se indignar, às vezes a
folcloriza, transforma em piadas. Adhemar de Barros, ex-governador de São
Paulo, ficou conhecido pelo slogan “rouba mas faz”, apropriado depois por
malufistas. Claro que Maluf nega ser corrupto. Quem aceita a pecha são seus
eleitores, alguns deles orgulhosos por seu ídolo nunca ter sido pego com a mão
na massa, glória que vacila um pouco agora, com acusações de descoberta de
contas bancárias altíssimas, com dólares suspeitos, em bancos da Europa, em
nome de Maluf ou de familiares.
De Adhemar de Barros,
sobraram muitas histórias, ou melhor, estórias. Uma delas conta que ele estava
num comício e falou para a praça cheia:
– Dizem que eu sou
ladrão. Mas – bateu no bolso da calça – neste bolso nunca entrou dinheiro
roubado.
Do meio do público,
veio uma voz solitária e gozadora:
– Calça nova, hem?
Corrupto assumido
Uma historinha é
reveladora do conceito dos brasileiros sobre corrupção, que para muita gente é
algo não tão grave assim. É “menos pior” do que outras coisas. No caso, é uma
historinha de machismo. Ocorreu logo depois que os militares tomaram o poder,
em 1964, quando a palavra gay significava simplesmente alegre, em inglês, ser
homossexual não era uma coisa bem aceita pela sociedade e pelas famílias dos
próprios – hoje assim chamados – gays.
Famílias ricas, quando
tinham um filho homossexual, davam um jeito de esconder o fato. Algumas delas,
politicamente influentes, arrumavam emprego para o filho enjeitado em alguma
embaixada, quando mais distante melhor. Assim, pelo menos “não passavam
vergonha”.
Então, as embaixadas
brasileiras eram tidas, no exterior, como um amontoado de homossexuais, mas não
só isso: de corruptos também. Era muito comum funcionários cobrarem propina
para cumprir suas obrigações.
O marechal Castello
Branco – o primeiro da série de militares a ocupar o poder, em 1964, disse que
ia “moralizar” as embaixadas brasileiras, demitindo corruptos e homossexuais. E
começou uma baita onda de demissões de funcionários que estavam no exterior.
Um dia, a imprensa do
Rio teve notícia de que um homossexual e um corrupto foram demitidos da
embaixada do Brasil em Paris, foram repatriados e chegariam num determinado
voo. E na hora que o avião pousou havia um bando de jornalistas no aeroporto,
querendo fazer matéria com os demitidos. Os dois saíram juntos do avião e,
quando chegaram no saguão e viram aquele bando de repórteres e fotógrafos, um
deles saiu pulando e gritando:
– O corrupto sou eu! O
corrupto sou eu!
Comilões
Em 1981, quando Eurico
Resende governava o estado do Espírito Santo, em apenas três meses as compras
de carne para o Palácio atingiram 5,8 toneladas. Mas foram comprados também 850
frangos. Fazendo as contas, sua família “comeu” 72 quilos de carne e 9 frangos
por dia. Mas o governo justificou: além das famílias havia os servidores que
comiam lá! Haja servidores!
Darwin e a escravidão
Charles Darwin, autor
da teoria da evolução, esteve no Brasil em 1836 e atribuiu o estilo de vida
corrupto e desregrado existente aqui à escravidão: “É um país de escravidão e,
portanto, de degradação moral”.
Estopins de escândalo
foram inusitados
Os grandes escândalos
que viraram CPIs para investigar corrupção tiveram como estopim para virem a
público acontecimentos que não pareciam tão grandes. O escândalo atual começou
a se tornar público a partir da filmagem de um funcionário dos Correios
supostamente cobrando propina de R$ 3 mil. O impeachment de Fernando Collor, em
1992, começou com seu irmão Pedro Collor vindo a público denunciar a corrupção
por causa de brigas familiares, incluindo um suposto assédio sexual do
presidente à mulher de Pedro, Teresa Collor. A CPI dos Anões do Orçamento (eram
sete parlamentares baixinhos envolvidos na manipulação do Orçamento da União)
começou depois que foi preso o economista José Carlos Alves dos Santos,
funcionário competente e respeitado no Senado. Sua prisão ocorreu porque sua
esposa estava desaparecida, ele disse que ela havia sido seqüestrada mas era
suspeito de ter participado de uma trama. Depois dele preso, a polícia
encontrou em sua casa milhares e milhares de dólares. Para explicar a origem
desse dinheiro, ele acabou confessando o envolvimento com os tais “anões do
orçamento”, que recebiam grandes comissões para favorecer empreiteiras e desviavam
recursos da União para entidades fantasmas de assistência social.
Correios: congresso
caro
Em 1980, a realização
do XVIII Congresso da União Postal Universal, no Rio de Janeiro, custou 450
milhões de cruzeiros, quando o custo previsto e relatado seria apenas de 20
milhões. Só em brindes (entre eles, 1.200 chaveiro de ouro, 600 pingentes de
ouro e 160 canetas Parker) foram gastos 165 milhões. Mas houve também viagens
para Manaus, Salvador e outros lugares, com hospedagem em hotéis 5 estrelas,
oferecidas aos participantes.
Monteiro Lobato e o
petróleo
O escritor Monteiro
Lobato, defensor da exploração de petróleo no Brasil quando se dizia que não
havia campos petrolíferos aqui, atribuía essa falsa informação a funcionários
públicos encarregados da pesquisa que recebiam dinheiro da Standard Oil.
Corrupção militar
Em seu livro A
História Militar do Brasil, Nelson Werneck Sodré dizia que durante o Império
fornecedores do Exército enriqueciam rapidamente, passando recibo (e recebendo
o dinheiro devido por isso) de mercadorias que nunca entregaram ou entregaram
em quantidade ou qualidade diferente do especificado. Ele conclui: “Chega a ter
a impressão de que de cada dez indivíduos nove eram desonestos ou dissidiosos
na defesa da moralidade administrativa das Forças Armadas. (…) Os que
discordavam eram poucos e considerados criadores de caso”.
Onze pontes?
Quando a ponte
Rio-Niteroi foi inaugurada, uma informação não pôde ser publicada em lugar
nenhum, pois era tempo de ditadura e certos assuntos eram barrados por ela:
pagaram para sua construção onze vezes o valor do custo real. Só o Pasquim
conseguiu informar, mas de forma velada. Publicou uma bela foto da ponte, com
uma legenda mais ou menos assim: “Ilusão de ótica: onde vocês estão vendo uma
ponte, na verdade são onze pontes”.
Para ir mais longe
Corrupção – um estudo
sobre poder público e relações sociais, de Marcos Otávio Bezerra, Editora
Relume Dumará
A economia política da
corrupção no Brasil, de Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, Editora Senac
A Fantástica Corrupção
no Brasil, de Mário Barros Junior, edição do autor
Náufragos, Traficantes
e Degredados, de Eduardo Bueno, Editora Objetiva
*
Jornalista
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