Com as rédeas nas mãos
A paixão, em si, é cega, e, a priori,
nem é um bem e nem um mal. Cabe-nos direcioná-la corretamente, para que se
torne força irresistível e benigna que atue exclusivamente a nosso favor. Sem
ela, nada do que fizermos atingirá a excelência e a perfeição. É possível fazer
isso? Sim! Muitos e muitos o fizeram.
Michelangelo, por exemplo, estava
dominado por intensa paixão ao esculpir a estátua de Moisés, em 1505 – que pode
ser apreciada em todo seu esplendor na Igreja San Pietro in Vincoli, em Roma. Essa obra atingiu
tamanho grau de perfeição, que seu ilustre autor, num momento de alucinação
diante de tanta beleza, teria exclamado: “Parla, Moses!”. De fato, a estátua só
falta falar.
Dante Alighieri, igualmente, punha chispas
pelos olhos ao erigir sua “Divina Comédia”, que o consagrou como um dos maiores
poetas de todos os tempos. A mesma fúria criativa tomou conta de Beethoven,
Tchaikowsky, Rembrandt, Rafael, Velazquez, Monet, Manet, Gauguin, Van Gogh e
vai por aí afora.
A paixão é como um legítimo cavalo
puro-sangue. Um animal desse tipo, forte, saudável e veloz, pode nos levar com
mais rapidez e segurança a qualquer lugar que queiramos. Para isso, porém, é
indispensável que seja domado. Se for xucro, nos derrubará da sela antes que
sequer consigamos piscar.
Para nos ser útil, é indispensável que
estabeleçamos com o animal uma relação de mútua confiança, até mesmo de
amizade. A paixão também é assim. Via de regra, é interpretada, somente, como
súbita e fulminante atração por alguma pessoa do sexo oposto, que muitos chegam
a confundir com o amor, embora não o seja. Pode, até, ter essa conotação, mas
não exclusivamente.
Há pessoas que só entendem determinados
conceitos caso lhes sejam ensinados de maneira explícita e didática. E nem
sempre os entendem. Não é a esse tipo de paixão, evidentemente, que me refiro.
É mister que se lembre que ela pode ser definida como um comprometimento
irrestrito e absoluto, sem dúvidas ou vacilações, com uma pessoa, uma idéia ou
uma causa.
Antes de montarmos, portanto, no dorso
do tal puro-sangue, é indispensável que tenhamos completa certeza da excelência
de quem ou do que queremos conquistar. Ou seja, temos que “domá-la”. Precisamos
estar convictos sobre a direção que pretendemos seguir.
Estabelecida, porém, essa convicção, e
definido esse rumo com a máxima segurança e certeza, nada é mais conveniente e
rápido do que, no dorso do “cavalo” da paixão, galoparmos, livres e confiantes,
rumo ao sucesso e à felicidade.
Em textos anteriores que escrevi sobre
o tema parece que não me fiz bem-entendido ou não fui muito claro. Vários
leitores interpretaram-nos (erroneamente, óbvio) como se eu estivesse me
referindo “apenas” a esse intenso sentimento, selvagem, cego e avassalador,
confundido, por muitos, com o amor, sem, no entanto, sê-lo.
Não me referi, contudo, ao
“puro-sangue” xucro, que não se deixa montar por ninguém. Referi-me à paixão
que nos é benigna, precedida, invariavelmente, de irrestrita certeza do que
pretendemos fazer e/ou conquistar e devidamente “domada”. Referi-me àquela que
moveu Michelangelo, Leonardo da Vinci, Rembrandt, Velazquez, Rafael, Van Gogh,
Monet, Manet, Beethoven, Tchaikowsky, Mozart, Virginia Woolf, Marguerite
Yourcenar, Marie Curie e tantos e tantos outros artistas, gênios, cientistas e
líderes vencedores, que sob seu domínio, jamais desistiram de suas causas e
projetos e aproximaram-se da perfeição.
Esses homens e mulheres talentosos e
determinados foram apaixonados pelo que pretenderam ou defenderam. Domaram o
“puro-sangue” xucro e puseram-no a seu serviço, galopando, confiantes e
convictos, rumo aos objetivos que traçaram. Poderiam alcançar suas metas sem
paixão? Talvez até pudessem, dada a grandeza dos seus talentos. Tenho, contudo,
minhas dúvidas.
O humanista Daisaku Ikeda, eminente
líder budista japonês, nos alerta, contudo, em seu livro “Vida um enigma, uma
jóia preciosa”: “Controlar a paixão é como correr num cavalo desembestado. Se
as rédeas são relaxadas por um instante, o cavaleiro pode ser jogado fora da
sela. O certo é dominar e utilizar as forças e energias, de modo que o
cavaleiro e o animal se movam como se fossem um só”.
Ou seja, não se trata de tarefa fácil e
corriqueira, que possa ser executada de qualquer maneira ou por qualquer um.
Requer, além de auto-disciplina, profundo auto-conhecimento. Precisamos
conhecer, mesmo que superficialmente, os nossos limites e possibilidades.
Ademais, as “rédeas” têm que estar
sempre firmes em nossas mãos, sem que se afrouxem um instante sequer. Em suma,
nós é que temos que dominar a paixão, não o contrário. Suas forças e energias
são imensas, diria, incomparáveis. Caso se voltem contra nós, todavia, podem
nos destruir com a maior facilidade. Domemos, pois, este magnífico puro-sangue
e não tenhamos receio: no seu dorso firme e seguro, galopemos, com confiança e
determinação, rumo ao sucesso e à felicidade. Nós podemos!
Boa leitura.
O Editor.
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