Um de nós não presta
* Por Daniel Santos
Quando havia apenas feijões para
a janta, jantava-se feijões. “E o que mais?”, um de nós sempre perguntava, ao
que o outro irmão logo respondia “ora, feijão com ... feijão!”, e ríamos da
própria insuficiência.
Comíamos sorrindo o que
digeríamos com dificuldade. Resultado: insônia. Mas isso era o melhor da
história porque, sem a vigilância dos pais, nós seis podíamos correr por toda a
casa e nos adivinhar no escuro.
Enquanto os adultos roncavam,
dávamos gargalhadinhas abafadas, porque era demais divertido trombar uns com os
outros, sem certeza de quem trombava em quem,
naquele anonimato decorrente da
falta de luz.
Trombávamos e logo nos
separávamos, em busca de outro em quem trombar. Um de nós, no entanto, trombava
sempre com violência e nos atingia a coxa com o joelho flexionado para
machucar. De propósito!
Isso, quando não nos esmurrava ou
chutava com maldade incompreensível.
Afinal, era um irmão ... que nunca se identificou! Já adultos, nos entreolhamos
intrigados: sabemos que um de nós não presta.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de
"O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio
de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha
imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma
gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma
negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de
conclusão, em 2001.
O simples se tornando complexo, interessante e intrigante: mistério.
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