segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Um de nós não presta

* Por Daniel Santos


Quando havia apenas feijões para a janta, jantava-se feijões. “E o que mais?”, um de nós sempre perguntava, ao que o outro irmão logo respondia “ora, feijão com ... feijão!”, e ríamos da própria insuficiência.

Comíamos sorrindo o que digeríamos com dificuldade. Resultado: insônia. Mas isso era o melhor da história porque, sem a vigilância dos pais, nós seis podíamos correr por toda a casa e nos adivinhar no escuro.

Enquanto os adultos roncavam, dávamos gargalhadinhas abafadas, porque era demais divertido trombar uns com os outros, sem certeza de quem trombava em quem,  naquele  anonimato decorrente da falta de luz.

Trombávamos e logo nos separávamos, em busca de outro em quem trombar. Um de nós, no entanto, trombava sempre com violência e nos atingia a coxa com o joelho flexionado para machucar. De propósito!

Isso, quando não nos esmurrava ou chutava com maldade  incompreensível. Afinal, era um irmão ... que nunca se identificou! Já adultos, nos entreolhamos intrigados: sabemos que um de nós não presta.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.




Um comentário: