sábado, 13 de setembro de 2014

O colégio e a igreja

* Por Hilton Görresen

O Colégio Stela Matutina foi o mais tradicional de São Chico. Por ser administrado por freiras e por estar a poucos metros da Igreja Matriz, tinha uma “parceria” com a igreja. De seus quadros de alunos saía o contingente de sacristães. Na verdade, eram coroinhas, pois sacristão é o funcionário que cuida da igreja. O sacristão, do qual me lembro, recolhia as contribuições durante as missas, de cabeça baixa e mão fervorosamente sobre peito, e acendia as velas do altar de Nossa Senhora.

Ser sacristão (ou coroinha) era uma função concorrida entre os meninos. Dava direito a tocar os sinos e subir ao alto do campanário, a torre na qual esses estavam. Podiam utilizar a mesa de pingue-pongue na sacristia e mesmo participar de um time de futebol, o time do padre. O acesso ao cargo era muito fácil, bastava ser um “bom menino” (muitas vezes não era assim), e decorar o latinório que se recitava nas missas. Quando o padre clamava o “dominus vobiscum”, os meninos respondiam (feijão com marisco): “et cum spiritu tuo”. Na horinha da consagração, badalavam os sininhos e nas missas solenes espalhavam fumaça de incenso, sacudindo uma panelinha.

Por influência da escola, tinha-se orgulho em fazer a primeira comunhão. Qual a criança que não esperava esse dia? Contar ao padre os “enormes” pecados: “Padre, dai-me a vossa bênção porque pequei...”. As crianças saíam em fila da escola um pouco antes de iniciar a cerimônia, vestidas de branco, segurando uma vela com lacinho nas mãos, e conduzidas por algumas meninas vestidas de anjo. Na mente, a recomendação de não engolir a hóstia. No final da cerimônia voltavam ao colégio onde quebravam o jejum com um farto café com cuques e doces.

Havia colaboração da escola também nas procissões. Certa vez, tive de percorrer a rota colégio/igreja à frente de um grupo de pessoas, vestindo uma bata colorida e carregando um belo estandarte. Quem me conhece, não deixaria de estranhar isso. Mas a verdade é que, quando percebi a irmã superiora com aqueles apetrechos, parecendo procurar um “voluntário”, corri a me esconder no banheiro. Mas a bendita irmã foi me encontrar e não deu outra: além de amargar esse tal desfile, ainda fiquei de pé durante uma missa inteira, debaixo do púlpito, com o estandarte nas mãos. Quando os coroinhas bimbalhavam os sinos eu levantava o estandarte.

Na despedida do colégio, a gente cantava: “... de ti eu levo saudades, saudades tantas de ti”. E eu não sabia que, cinquenta anos depois, isso seria verdade.


* Escritor catarinense, autor de seis livros: cinco de crtônicas e um de memórias

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