Angustia
* Por
Graciliano Ramos
Como certos
acontecimentos insignificantes tomam vulto, perturbam a gente! Vamos andando
sem nada ver. O mundo é empastado e nevoento. Súbito uma coisa entre mil nos
desperta a atenção e nos acompanha. Não sei se com os outros se dá o mesmo.
Comigo é assim.
Caminho como um cego,
não poderia dizer porque me desvio para aqui e para ali. Frequentemente não me
desvio - e são choques que me deixam atordoado: o pau do andaime derruba-me o
chapéu, faz-me um calombo na testa; a calçada foge-me dos pés como se se tivesse
encolhido de chofre; o automóvel pára bruscamente a alguns centímetros de mim,
com um barulho de ferragem, um raspar violento de borracha na pedra e um berro
de chauffeur. Entro na realidade cheio de vergonha, prometo corrigir-me.
- "Perdão!
Perdão!" digo às pessoas que me abalroam porque não me afastei do caminho.
As pessoas vão para os seus negócio, nem se voltam, e eu me considero um
sujeito mal-educado. Tenho a impressão de que estou cercado de inimigos, e,
como caminho devagar, noto que os outros têm demasiada pressa em pisar-me os
pés e bater-me nos calcanhares.
Quanto mais me vejo
rodeado mais me isolo e entristeço. Quero recolher-me, afastar-me daqueles
estranhos que não compreendo, ouvir o Currupaco, ler, escrever. A multidão é
hostil e terrível.
Raramente percebo
qualquer coisa que se relacione comigo: um rosto bilioso e faminto de
trabalhador sem emprego, um cochicho de gente nova que deseja ir para a cama,
um choro de criança perdida. (...)
Tudo foi visto ou
ouvido de relance, talvez não tenha sido visto nem ouvido bem, mas avulta
quando estou só - e distingo perfeitamente a criança, o operário faminto, os
namorados que desejam deitar-se. Eles me invadiram por assim dizer
violentamente.
(Trecho do romance
Angústia)
*
Um dos maiores escritores brasileiros
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