domingo, 25 de março de 2012







Bola

* Por Sílvio Lancellotti


Noite fria de comecinho de Inverno. Ainda assim, como fazia todas as jornadas, depois da labuta da pizzaria, saiu a passear com Zig, o seu solerte Labrador. Desfrutou diversas voltas ao redor do quarteirão e, então, escutou um rumor intrigante. Não, pela suavidade dos passinhos, não seria um ladrão, ou um dos travestis da redondeza. Criou coragem e se virou. Alguns metros atrás do Zig vinha um outro cachorro, um Chow-Chow, que parecia exausto.

Mudou de rumo, caminhou trajetos inesperados. E, sempre atrás do Zig, continuava o Chow-Chow. Sentiu pena. Um cão caríssimo, de três, quatro mil reais, talvez mais, perdido naquela noite de Inverno. Decidiu-se por um teste. Marcharia até a casa do futuro sogro, com um quintal capaz de abrigar o bicho até que o seu dono aparecesse. A namorada acolheu o cão perdido e logo o apelidou de Bola, tão intensa era a sua penugem, tão redonda a sua forma...

A família, inteirinha, depressa se afeiçoou ao Bola. A família, e mesmo, o Schnauzer e o Cocker da residência, respectivamente o Calvin e o Haroldo. Levou-se o Bola a uma veterinária – pois que ostentava uma ferida feia na sua anca, junto à pata esquerda. Multiplicaram-se as despesas com banhos e com medicamentos. Por dia, o Chow-Chow desandou a comer, em ração, o que o Calvin e o Haroldo ingeriam em uma semana. E nada de o dono surgir...

O pai da namorada, enfim, inverteu o procedimento. Visitou todas as pet-shops do seu bairro, conversou com os seguranças das esquinas, deixou os seus telefones em uma infinidade de endereços, utilizou um programa de tevê para anunciar que abrigava o cão vagante. E nada, nada, de o dono surgir.

Claro, a família se convenceu de que um desalmado havia abandonado o Bola, propositadamente. O motorista de um vizinho se ofereceu como novo proprietário. Bom rapaz, o Azevedo, que carregou o Bola consigo. Consta que o Bola se sente felicíssimo com as três crianças do Azevedo – embora roa os pés das cadeiras e mordisque os sapatos do patrão. Boa sorte, Bola. E que o desalmado que o largou na noite arda, implacavelmente, no fogo do Demo.

* Diplomou-se em Arquitetura. Trabalhou na revista “Veja” de 1967 até 1976, onde se tornou editor de “Artes & Espetáculos”. Passou por “Vogue”, agências de publicidade, foi redator-chefe de “Istoé”, colunista da “Folha” e do “Estadão”, fez programas de gastronomia em várias emissoras de TV, virou comentarista de esportes da Band, Manchete e Record, até se fixar, em 2003, na ESPN. Trabalha, além da ESPN, na Reuters, na “Flash”, no portal Ig e na “Viva São Paulo” e é sócio da filha e do genro na Lancellotti Pizza Delivery – site de Internet www.lancellotti.com.br.

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