domingo, 18 de março de 2012



As aventuras dos jangadeiros do Nordeste

* Por Elaine Tavares

15.03.2012 - Quem já viu uma jangada navegando suave no mar do nordeste certamente não sabe que este tipo de barco é genuinamente típico daquela região do Brasil, existindo apenas na pequena faixa do litoral de 2.600 quilômetros que vai do Ceará à Bahia. Nesse mar navegam 4.200 jangadas dirigidas por seres humanos que poderiam figurar entre os mais extraordinários da terra. Essa é visão do escritor Raimundo Caruso que vivenciou a luta diária dos jangadeiros durante seis meses, em pelo menos sete estados do Brasil. Junto com sua mulher Mariléia Caruso, Raimundo descortinou a história desses formidáveis navegadores, protagonistas de lutas homéricas, sendo que uma delas resultou numa conquista importante para todos os pescadores do país: a aposentadoria.

O resultado da pesquisa e das incontáveis entrevistas está no livro ”Aventuras dos jangadeiros do nordeste” no qual Caruso conta sobre as grandes viagens feitas pelas frágeis jangadas e seus incríveis condutores para o Rio de Janeiro e Buenos Aires, em busca de visibilidade para suas lutas. Ali se pode saber sobre o maior de todos os jangadeiros, mestre Jerônimo, que, decidido a mostrar ao governo brasileiro sobre a necessidade de os pescadores terem direitos assegurados empreendeu três arriscadas viagens para o sul, a bordo da sua inseparável jangada, fazendo o que nenhum outro jangadeiro jamais havia sonhado. Sem bússola, sem carta náutica, sem nada além dos seus conhecimentos empíricos da vida no mar, ele e mais três companheiros enfrentaram o mar e os perigos do sul para lutar por todos os pescadores do Brasil.

O livro composto por Raimundo Caruso é um tropel de emoções. Impossível não se comover com a louca pureza desses navegadores nordestinos que numa embarcação tão frágil conseguem garantir seu sustento no rarefeito mar do nordeste, pouco piscoso. Pela mão do escritor vão surgindo os personagens que se dizem na voz deles mesmos ou de seus velhos companheiros. Palavra nordestina, voz jangadeira, filosofia do mar. A bordo de suas jangadas, velas ao vento, esses homens se arriscam todos os dias em epopeias marítimas de tirar o fôlego, mas que para eles é só mais um dia de trabalho. Não falam das tragédias passadas: “é preciso saber ler o que vem, não o que já passou”, asseveram com sabedoria. E perscrutam o lá na frente em busca do peixe cotidiano, sempre de olho num bem-virá.

Uma das aventuras dos jangadeiros do Ceará é uma viagem feita até Buenos Aires que durou meses. Enfrentando um clima completamente adverso de suas paragens nordestinas, os jangadeiros tiveram de se amarrar à jangada para não serem arrastados pelas ondas geladas do sul. Nunca desistiram e chegaram ao porto de Buenos Aires onde seus irmãos pescadores os miravam com incredulidade a repetir: “imposible, imposible”. Esses homens mágicos estão todos dentro desse livro incrível que merece ser conhecido. Porque nos coloca diante desses heróis cotidianos, que fazem a vida valer a pena. E a escrita de Caruso, forte como a vida dos jangadeiros, nos conduz a esse mundo de belezas e nos comove até as lágrimas. O exemplo da luta desses homens do mar do nordeste, que se alçam ao mar com suas velas enfunadas, foi o que garantiu a aposentadoria que hoje todos os pescadores do Brasil podem desfrutar. Só isso já vale para se debruçar sobre essas histórias heroicas.

O livro é uma edição do autor, não está nas livrarias, coisas do absurdo mundo editorial que prefere promover lixo, mas pode ser adquirido por correio, em contato direto com o autor (R$ 15,00). Raimundo Caruso é escritor veterano, de obras importantíssimas com escritos sobre a Bolívia, a Nicarágua, a República Dominicana. Também escreve ficção e até ganhou o prêmio nacional “Cidade de Belo Horizonte”, com o romance Noturno, 1894.

• Jornalista de Florianópolis/SC

Um comentário:

  1. Meu Deus, é incrível não hver até esse momento um único comentário nesta página. Não que a culpa seja de seu autor (a), mas por culpa da ignorância do brasileiro que teima em tê-la dentro de si.

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