Otários e fedorentos
* Por
Mouzar Benedito
Dias atrás foi notícia
em todo mundo a história de um menino que brincava na beira de um lago em
Orlando, na Flórida, e foi pego e morto por um jacaré, quer dizer, lá o nome é
outro, aligátor.
Jacaré é um nome tupi,
significa, o que olha de lado. Os gringos chamam esse animal de aligátor. Acho
muito feia essa palavra, principalmente quando usada no plural, aligátores
(pronunciando como paroxítona, aligatores), mas na televisão, brasileiros falam
aligatores com a boca cheia, como sendo uma palavra chique, por ser de origem
gringa.
Mas na verdade, a
palavra é de origem espanhola. Vem de “el lagarto”, que adaptada para o inglês
virou aligátor.
Há alguns dias
publiquei um texto aqui, chamado “Faíscas verbais”, sobre um livro do
jornalista Márcio Bueno. E agora, inspirado nos tais “aligatores”, busco
algumas coisas interessantes no outro livro dele que citei, “A origem curiosa
das palavras”.
Usamos certas palavras
no dia a dia e nem nos damos conta de algumas curiosidades sobre elas.
Por exemplo: aloprado.
De onde surgiu essa palavra?
Lorpa é uma palavra
que significa bobo, tonto, e também boçal. Em Portugal, começaram então a
chamar de alorpado o sujeito amalucado, e aqui no Brasil alteraram a pronúncia
para aloprado.
Vamos a mais alguns
exemplos.
Você sabe por que
chamam de carrasco o indivíduo que executa a pena de morte? É que o indivíduo
que tinha essa função em Lisboa, há muito tempo, antes mesmo de Pedro Álvares
Cabral “descobrir o Brasil”, se chamava Belchior Nunes Carrasco.
Falando em Belchior,
lembro-me dos brechós, lojas que vendem roupas usadas. Brechó é a pronúncia
caipira e também apelido de quem se chama Belchior. Quando falam dos três Reis
Magos, os caipiras os nomeiam como Gaspá, Bartazá e Brechó. E um homem chamado
Belchior foi o primeiro a ter uma loja de compra e venda de objetos usados, no
Rio de Janeiro. Era a loja do Brechó. Por isso, as lojas que vieram depois para
comerciar objetos usados, principalmente roupas, passaram a ser chamadas de
brechós.
E gari, por que
varredor de rua se chama gari? Está aí outra palavra adaptada no do Rio de
Janeiro.
A empresa contratada
para fazer a limpeza das ruas do Rio de Janeiro a partir de 1859 era de um tal
de Aleixo Gary. Herdeiros dele continuaram no ramo, e o sobrenome Gary virou
sinônimo de varredor de rua.
Vamos mudar do Rio pra
Gaza, cidade que é capital da Faixa de Gaza, na Palestina. Lá se fabricava
antigamente um tecido muito fino, leve e transparente. Daí, um tecido muito
parecido com os de lá, além de tudo esterilizado, passou a ser fabricado para
ser utilizado em curativos, e o nome dele é gaze, derivação francesa de Gaza.
Bom, agora vamos a uma
palavra que vale para como muitos políticos nos veem a nós, brasileiros:
otário. Otárion, palavra grega que significa “orelha pequena”, é usada na
classificação científica do lobo-marinho, também chamado de otária.
Na Argentina, que
tinha muitos desses animais com jeitão abobalhado, na gíria dos malandros
portenhos, chamada lunfardo, otários era como chamavam os trouxas, as vítimas
desses malandros. Um tango dos anos 1920, chamado “Se acabaron los otários”,
fez sucesso aqui e nós brasileiros adotamos a palavra otário também.
E boêmio, de onde vem?
Será que na Bohemia, região da República Tcheca, tem tanto boêmio assim pra
justificar esse apodo? Bem… Os franceses achavam que os ciganos eram
originários da Bohemia e os chamavam de bohémiens. E como os artistas que
viviam na noite tinham costumes parecidos com os dos ciganos, passaram a ser
chamados de bohémiens também.
Criancinha de colo, no
Brasil, pode ser chamada de bebê e de nenê (ou neném). Segundo “A origem
curiosa das palavras”, um anão francês, que viveu no século XVIII, chamava-se
Nicolas Ferry, mas tinha o apelido de Bébé (pronuncia-se bebê). Era bem
pequenininho. E derivou do apelido dele a palavra bebê…
Mas a palavra nenê não
tem nada a ver com isso. E não está no livro do Márcio. Esta, cito de outras
fontes. É de origem brasileira mesmo, dos tempos da escravidão indígena. As
senhoras lusitanas usavam mulheres indígenas como babás.
Criança indígena quando
faz cocô é logo limpada e não fica fedendo, pois não usa cueiro, né? Já as
crianças que as brancas punham aos seus cuidados, se borravam e ficavam
fedendo, envoltas em panos. As índias, com nojo, falavam para as mães das
crianças: “nê… nê”. Nê, em tupi é feder, fedida. Nenê é “muito fedida”. Mas as
matronas achavam que as índias estavam falando coisinhas bonitas dos seus
pimpolhos fedidos, e passaram a se referir a eles como nenês…
Assim, fedorento, na
língua tupi, passou a ser como chamamos “nossos” filhos. Aí eu me divirto: sem
saber dessa história, há muito tempo eu já chamava os meninos de fedorentos.
Brincava com uns amigos que mimavam muito seus filhos: “Como está o
fedorento?”. Era brincadeira minha, mas não é que eu estava certo?
*
Jornalista.
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