Rei, virgens e
Aids
* Por Anna Lee
Suazilândia é um pequeno país da África
Austral, limitado a leste por Moçambique e em todas as outras direções pela
África do Sul, e tem uma das últimas monarquias absolutistas do mundo. Lá, numa
cerimônia que acontece uma vez por ano, virgens, com os seios desnudos, dançam
a “Dança dos Juncos” para o rei Mswati III escolher uma delas para se casar.
Ele já tem 13 mulheres e, neste ano,
cerca de 30 mil candidatas reuniram-se para disputar a vaga de número 14. Pela
primeira vez, entre elas estavam 43 adolescentes brancas que, ao contrário das
negras, não exibiram os seios.
Antes que possam chegar diante do rei,
as pretendentes devem prestar uma homenagem à rainha-mãe: dedicam-se à tarefa
de cortar junco e cana-de-açúcar para presenteá-la. Depois disso, num baile, na
esplanada do palácio real, tentam seduzir Mswati III.
Até estaria disposta a encarar a
poligamia do rei de Suazilândia como um dado antropológico. Desde que li que
Artaud, convencido da falência do “velho mundo”, em 1936, foi ao México buscar
uma cultura desaparecida na Europa, vejo com reservas qualquer tipo de
julgamento sobre crenças ou costumes sociais de povos que sejam distintos do
que se convencionou chamar de “normal” na cultura ocidental, a que estamos
assujeitados.
No prefácio do Teatro e seu duplo, Artaud faz uma afirmação sobre a qual vale a
pena refletir: “E, também, se achamos que os negros cheiram mal, ignoramos que
para tudo que não é Europa somos nós, brancos, que cheiramos mal. Eu diria
mesmo que exalamos um odor branco, branco assim como pode se falar num ‘mal
branco’. Assim como o ferro em brasa é ferro branco, pode-se dizer que tudo o
que é excessivo é branco; e, para um asiático, a cor branca tornou-se a
insígnia da mais extremada decomposição”.
Ainda no Teatro e seu duplo, Artaud propõe uma unidade entre teatro e vida, a qual
o Ocidente teria perdido. Ele encontra essa unidade quer no Oriente, quer
naquilo a que poderíamos chamar de “ocidente do Ocidente” (como prova a sua
atração pelo México, derrotado, mas não destruído pelos conquistadores
europeus). São civilizações onde ele teria visto povos “cujo teatro não estava
no palco, mas na própria vida”. E, se considerarmos a teatralidade que a
cerimônia da “Dança dos Juncos” em Suazilândia carrega, não teria nada
demais, num primeiro momento, encaixá-la na categoria de encenação da própria
vida, proposta por Artaud.
Mas isso não é possível.
Porque antes da teatralidade de tal cerimônia, vêm as estatísticas das Nações
Unidas, em que o reino de Mswati III tem se destacado por seus pífios
indicadores sociais.
Com 1,1 milhão de habitantes,
Suazilândia tem cerca de 40% de seus cidadãos vivendo abaixo da linha de
pobreza e a maior taxa mundial de contaminados pelo HIV. A mortalidade
provocada pela Aids – 17 mil, em 2003 – faz com que a expectativa de vida seja
de 37 anos para os homens e 34 para as mulheres.
Enquanto isso, Mswati vive de forma suntuosa. Cada uma de suas noivas
recebe de presente um automóvel BMW e um palácio para morar.
Eu nunca estive em Suazilândia. Não
acredito que esse país seja freqüentemente visitado. Posso estar enganada. Mas,
pelo sim, pelo não, acho que Heloísa Helena, candidata do PSOL à Presidência,
jamais deva passar por lá. Não depois de, para se defender da suspeita de ter
votado pela absolvição do ex-senador Luiz Estevão, cassado por quebra de decoro
parlamentar em 2000, ter afirmado, na sabatina da Folha de S. Paulo: “Disseram
que eu dormia com o cara [Estevão] (...) Não durmo com homem rico e ordinário.
Eu vomito em cima”. Já viu o que poderia acontecer com ela...
*Jornalista, mestranda em
Literatura Brasileira, autora, com Carlos Heitor Cony, de "O Beijo da
Morte"/Objetiva, ganhador do Prêmio Jabuti/2004, entre outros livros.
Colunista da Flash, trabalhou na Folha de S. Paulo e nas revistas Quem/Ed.Globo
e Manchete.
Melhor não arriscar.
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