Páscoa me lembra
* Por
Fernanda Pinho
Páscoa me lembra o
jardim de infância e os coelhos mimeografados que a gente decorava com algodão.
E me lembra particularmente um dia em que eu deixei o coelho com um olho de
cada cor – mais por desatenção do que por estilo – e, diante da vergonha de
mostrar para minha mãe que eu tinha
cometido tal erro, exibi pra ela o desenho sem desgrudar o dedão de cima de um
dos olhos.
Páscoa me lembra
cheiro de sinteco. Em algum momento da minha infância, meu pai resolveu
reformar a casa durante a Semana Santa e nós tivemos que ficar na casa da minha
avó. Mas, no dia da Páscoa, fomos à nossa casa buscar os chocolates e eu
saboreei um bombom de morango enquanto quase tinha alucinações por causa do cheiro
forte do verniz que estava sendo aplicado no piso.
Páscoa me lembra maçã
do amor. Todos os anos, vendedores da guloseima armavam suas barraquinhas na
frente da igreja do bairro onde eu morava para saciar a gula da criançada após
as longas celebrações da Semana Santa. Eu já saía de casa pensando na maçã do
amor que comeria depois da missa. E nem
conseguia prestar atenção quando o cheiro do melado subia a escadaria.
Páscoa me lembra o
caso do roubo do chocolate. Uma vez eu ganhei um ovo com formato de coração e
levei para a praia. Estávamos na casa com pessoas com as quais não tínhamos o
hábito de viajar. Na manhã de Páscoa, fui pegar meu ovo em cima da geladeira e
só encontrei o papel. Nunca soube quem foi o meliante chocólotra. Nem nunca
saberei.
Páscoa me lembra as
celebrações organizadas pelo colégio onde eu estudava. Nessa época do ano,
realizávamos alguns atos de ação de graças e também alguns gestos concretos. O
que mais me marcou foi quando cada aluno ganhou a incumbência de enviar para um
presidiário um chocolate e uma carta. Ainda me lembro o nome do rapaz a quem eu
deveria escrever: Caio. Depois de um tempo, descobri que minha carta nunca
chegou às mãos dele. Foi interceptada porque eu escrevi nela meu endereço para
que pudéssemos nos corresponder.
Gosto de Páscoa. Gosto
de dias festivos em geral. Há quem prefira repudiar o fato de as datas
especiais serem amplamente propagadas por razões comerciais. Eu prefiro
agradecer por ter nas datas especiais um porto para ancorar minhas lembranças.
*
Escritora
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