Estudo sobre Junqueira Freire
* Por
Franklin Dória
Vi pela primeira vez a
Junqueira Freire em uma ocasião memorável para mim: foi por volta do ano de
1852. Eu me achava como pensionista no colégio de S. Vicente de Paulo, um dos
estabelecimentos de educação mais perfeitos que a capital da Bahia tem tido.
Festejava-se o padroeiro do colégio, o santo daquele nome, grande benfeitor da
humanidade. Havia concorrido à solenidade um bom número de convidados, entre os
quais o venerando arcebispo Marquês de Santa Cruz, sob cujos auspícios o
colégio se fundara.
O vasto salão da
capela, pitorescamente decorado, em pouco tempo encheu-se dos piedosos hóspedes
e da turba de estudantes de todas as classes, os quais de contentes não cabiam
em si. Eram de ver-se aqueles grupos de velhos, moços e meninos, unidos todos
no doce pensamento do culto externo.
De um desses grupos,
entretanto, destacava-se a figura melancólica e insinuante de um frade. À
primeira vista as rugas que lhe sulcavam o rosto emprestavam-lhe uma idade
muito superior à dele, que, bem reparado, era apenas um jovem. A sua fisionomia
tinha um ar particular de tristeza que a distinguia da fisionomia dos demais
circunstantes, ao passo que sua fronte elevada fazia adivinhar não sei que
tesouros de inteligência escondidos em sua alma. Era um bela fronte, que
parecia moldada para a coroa de louros do gênio e para a coroa de espinhos do
mártir. Seus olhos pardos, um tanto fundos, não deixavam de ter uma expressão
de nobre altivez, e o seu brilho quase vítreo deveria ter-se amortecido por
efeito de longas vigílias ou de longos prantos. Faces profundamente cavas,
nariz eminentemente aquilino, feições cobertas de uma palidez de cera de tocha,
a contrastar-lhe com a negridão das vestes talares, eis mais alguns traços do
esboço deste retrato, tirado de memória.
Sabem agora quem era o
frade a quem me referi? Era Junqueira Freire.
Havia poucos meses
antes professado na ordem de S. Bento, à qual pertencia o diretor do colégio, o
erudito e virtuoso frei Arsênio da Natividade Moura.
Concluída a cerimônia,
este me apresentou a Junqueira Freire, e assim nos aproximamos um do outro.
Não tardou muito que
nos tornássemos amigos. Ambos tínhamos nascido sob o mesmo céu azul; ambos
atravessávamos essa quadra em que os corações facilmente se procuram e se
identificam, por força misteriosa dos sentimentos que transbordam; ambos, em
uma palavra, éramos atraídos pela admiração e pelo entusiasmo em torno do
sagrado lar da poesia, cujas chamas o abrasavam. Mas quem o diria? a morte bem
depressa veio separá-lo de mim, partindo a cadeia de ouro do nosso afeto.
Desde então avaramente
guardo a saudade que me deixou, e consolo-me da perda que sofri repetindo seu
nome.
[...]
(Estudo sobre
Junqueira Freire, 1868).
*
Político e poeta, membro da Academia Brasileira de Letras.
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