sexta-feira, 11 de março de 2016

Inspiração carnavalesca


* Por Rodrigo Ramazzini



O soar rouco das cuícas anunciava o que viria pela frente. O intérprete do samba aquecia a voz. Os expectadores tremulavam bandeirinhas na arquibancada. Os carros alegóricos eram deslocados cuidadosamente. As baianas abanavam-se. A passista dava os últimos retoques na maquiagem. O mestre-sala e a porta-bandeira rezavam abraçados no manto sagrado da escola. Correria e nervosismo marcavam a concentração. O trabalho de um ano inteiro estaria em julgamento. Não havia mais tempo. O relógio ordenara: era chegada a hora. O silvo do apito do mestre de bateria ecoou. O tocar ritmado dos instrumentos completou-se com o cantar do samba-enredo. Os fogos de artifícios anunciaram: a escola estava pronta para “deslizar” na avenida. A comissão de frente abre o desfile anunciando teatralmente o que o estudado enredo pretendia. Logo a seguir o primeiro carro. Este faz o público abrir a boca de espanto, tanto pelos reais movimentos, como pelo tamanho. As alas vão passando, uma a uma, encantando. É então que, ao fundo ela surge, sob os flashes dos fotógrafos. Todos param para reverenciá-la. É a musa maior. É a rainha. A rainha da bateria! O brilho da sua roupa e a purpurina espalhada pelo belo corpo reluz embriagando quem a contempla. O sambar pouco importa. As belas curvas, que começam pelo tornozelo, com o enlaçar da sandália, e sobem pelas bronzeadas e robustas coxas, até chegarem a eles, os cobiçados e geometricamente arredondados glúteos. Ah os glúteos! Fruto dos maiores desejos masculinos...”.

- Aai! Aai!Ai! O que é isso? Por que me beliscou? Por que desligou a TV?
- Isso é pra ti aprender!
- O que foi que eu fiz?
- Ainda pergunta?
- Pergunto sim! Porque eu não sei mesmo o que é que eu fiz.
- Não sabe é? Então eu vou te dizer: essa tua cara de tarado para o lado da televisão não explica nada, hein?
- Eu? Com cara de tarado. Ficou maluca?
- O cafajeste ainda nega. Até salivando no canto da boca estava...

- Eu não acredito nisso! Vou te explicar pela última vez.
- Explica... Se isso é possível.
- Ãh... Ãh...É... É! Bem que tinham me avisado...
- Avisado o quê?
- Deixa pra lá...
- Agora fala. Avisado o quê?
- É... Que... Ãh...
- Fala logo!

- Que... Que você com esse seu jeito nunca entenderia a minha profissão...
- O que tem isso a ver, meu Deus? Ser tarado virou profissão agora?
- Não. Nada disso... Sabe como é... Eu como escritor preciso de inspiração. E era isso que eu estava fazendo... Inspirando-me! Apenas me inspirando... Criando. Isso!
- Inspiração, é?
- É... Só isso meu amor!
- Só isso? Seu cachorro!
- Aai! Aai! Ai! Pára! Pára!


* Jornalista e contista gaúcho



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