Principal “produto” de Mileto: filósofos
A cidade de Mileto ganhou importância e ficou imortalizada
na História não apenas por causa de seu filho mais ilustre, o filósofo Tales
(embora só isso já bastaria), mas pela inventividade, operosidade e capacidade
de iniciativa de seus habitantes. Era relativamente pequena, mesmo para os
padrões da época. Esse fator, provavelmente, determinou que ali se
desenvolvesse uma categoria de respeitáveis comerciantes e de hábeis navegadores,
que levavam seus produtos – a localidade tinha a fama de produzir a melhor lã
da Grécia antiga – para o Egito, a Fenícia e até para locais muito mais
distantes, e traziam, na volta, de longe, o que os moradores precisavam ou
somente cobiçavam.
Todavia, para nós, pessoas do século XXI, a única coisa que
nos leva a querer conhecer Mileto – que integra o território da Turquia – são os filósofos que produziu. Pode-se dizer,
portanto, que esse foi seu principal “produto”. E que produto! Tanto que os locais dessa milenar cidade que
atraem os turistas do mundo todo, que a visitam hoje, são os vinculados à vida
e á atuação tanto de Tales quanto de seus seletos ilustres discípulos, e
sucessores, da chamada “escola jônia”. Esses sábios influenciaram dezenas
(quiçá centenas, milhares ou sabe-se lá quantos) de pensadores de toda a Grécia
antiga. Muito do que esses filósofos concluíram é aceito ainda hoje, como
fundamentos da Filosofia. Mais do que entreposto comercial, portanto, Mileto
foi notável centro cultural, irradiador de novas idéias e de evolução mental do
ser humano.
Jostein Gaard escreve, no livro “O mundo de Sofia”, o
seguinte sobre o principal “produto” da cidade, ou seja, as idéias geradas
pelos seus sábios: “(...) O segundo filósofo de quem ouvimos falar foi
Anaximandro que também vivia em Mileto. Ele dizia que o mundo é apenas um de
muitos que existem e se dissolvem em algo que ele chamou de ‘o indefinido’. Não
é fácil definir o que ele quis dizer com ‘o indefinido’, mas parece claro que
não se referiu a uma substância específica como Tales. Talvez acreditasse que
essa substância, da qual surgiriam todas as coisas, era totalmente diferente
das coisas que ela originaria. Portanto, a substância primordial não poderia
ser algo tão banal quanto a água, e sim uma substância ‘indeterminada’ (...)”.
Anaximandro foi filósofo, astrônomo e matemático, assim como
Tales. Todavia, diferente de seu mentor, foi, também, geógrafo e político. Seus
biógrafos citam que escreveu um livro, intitulado “Sobre a Natureza”. Contudo,
ninguém jamais encontrou essa obra, o que leva à conclusão lógica de que ela se
perdeu. Pesquisador organizado e pertinaz, é considerado o “pai” da Astronomia
grega. Foi um dos primeiros a medir a distância entre as estrelas, aplicando
métodos matemáticos, e a calcular sua magnitude. Atribui-se a Anaximandro a
confecção de um dos primeiros mapas do mundo habitado de então, além de introduzir,
na Grécia, o uso do relógio de sol, o tal do gnômon.
Pitoresca era sua idéia sobre o formato da Terra. Supunha
que nosso planeta tinha a forma de um cilindro e que era circundada por várias
rodas cósmicas, imensas e cheias de fogo. Mais curiosa ainda era sua concepção
do Sol. Não o entendia como uma estrela, mas como um furo numa dessas rodas
cósmicas que deixava o fogo passar. Não menos curiosa era sua tese sobre o dia,
a noite e as estações do ano. Anaximandro achava que à medida que a roda cósmica em que estava inserido
girava, o Sol girava, também, em torno da Terra. Os eclipses ocorreriam em
virtude do bloqueio total do furo em que o astro rei aparecia. Julian Marias,
no livro “A História da Filosofia”, observa o seguinte sobre as principais
concepções filosóficas deste discípulo de Tales: “Anaximandro... representa a
passagem da simples designação de uma substância como princípio da natureza
para uma ideia desta, mais aguda e profunda, que já aponta para os traços que
irão caracterizá-la em toda a filosofia pré-socrática (...)”.
Jostein Gaard cita, no livro “O mundo de Sofia”, outro
grande expoente da escola jônica: “(...) O terceiro filósofo de Mileto foi
Anaximenes (c. 570-526 a.C). Ele sustentava que a substância primordial de
todas as coisas deveria ser o ar ou a névoa. Anaximenes certamente estava
familiarizado com a teoria de Tales sobre a água. Mas de onde viria a água?
Anaximenes dizia que a água seria o ar condensado. Quando chove, podemos
perceber a água se condensando no ar. Quando a água se condensa ainda mais,
dizia ele, ela se transforma em terra. Talvez ele tivesse observado terra e
areia surgindo da neve derretida. Da mesma forma ele dizia que o fogo seria o
ar rarefeito. Segundo Anaxímenes, tanto terra quanto água e fogo seriam
constituídos de ar (...)”.
Hoje, essas idéias dos três filósofos de Mileto parecem (e
são) no mínimo exóticas. Mas, para a época, soavam, guardadas as devidas
proporções, mais ou menos como soou para nós a “Teoria da Relatividade” de
Albert Einstein, quando foi apresentada pelo físico alemão e antes que fosse
demonstrada e aceita pelo mundo da ciência. Jostein Gaard diz mais sobre as idéias
de Anaxímenes: “(...) O caminho desse raciocínio até as plantas que crescem nos
campos não era tão longo. Talvez Anaxímenes achasse que terra, água, fogo e ar
possibilitassem o surgimento da vida. Mas seu ponto de partida era ‘o ar’, ou ‘a
névoa’. Ele também compartilhava a ideia de Tales, para quem deveria haver uma
substância primordial que possibilitava todas as transformações na natureza
(...)”. Mas qual seria essa substância primordial? Mais teorias a respeito é o
que veremos na sequência...
Boa leitura.
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Mais uma vez apaixonada pelas descrições citadas por você, Pedro. Estão sendo alimento.
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