quarta-feira, 11 de março de 2015

Mulheres que não sentem prazer


* Por Mara Narciso

Quem vê a sexualidade exacerbada, aparente e manifestada de forma abusiva em tantos lugares pode achar difícil acreditar nos números mostrados por pesquisas atuais sobre a satisfação sexual das mulheres. Estes apontam que 70% delas não sentem orgasmo nas relações sexuais. Se há 60 anos a mulher casta e recatada era a escolhida, hoje, alguma experiência anterior é desejada por parte dos homens. Naquela época, entendia-se que a mulher não deveria ter iniciativa, expor seu desejo sexual ou manifestar prazer. Atualmente vive-se uma situação oposta em que há uma busca desenfreada do prazer pelo prazer, sem valorizar outros aspectos do encontro entre duas pessoas. Ainda assim os números não mentem, embora as mulheres mintam, escondendo a sua não realização no ato sexual.

Palavras de Carmita Abdo, a maior estudiosa da sexualidade brasileira: “Um terço das mulheres nunca atingiu o orgasmo por penetração nem por autoestimulação; um terço alcança o orgasmo vaginal e o clitoridiano e um terço não consegue ter orgasmo na vagina. Infelizmente, embora não se sintam satisfeitas ao término da relação sexual, a maioria das que não atingem o orgasmo, nada revela aos seus parceiros”.

Muitos são os fatores que impedem a mulher de atingir o orgasmo, popularmente conhecido como gozo. Apenas 5% dos casos se devem a problemas físicos, como lesões ou infecções na área genital, vaginismo, que é a contração involuntária do músculo vaginal que impede a penetração, a dispareunia, que é dor às relações, entre outros. Assim, quase todas as mulheres possuem a instrumentação necessária para se excitar, ter prazer e atingir o clímax sexual, que é descrito de várias maneiras, não sendo de um tipo só, nem mesmo na mesma pessoa. Geralmente é explicado, dizem pesquisadores, como um crescendo de satisfação, que vai se ampliando até a ocorrência de um ápice, seguido por uma espécie de explosão, com contrações vaginais, grande prazer, e depois relaxamento. No momento do gozo, ocorre uma descarga de neurotransmissores cerebrais, que são os responsáveis pelas sensações experimentadas.

A reação exteriorizada naquele momento varia de gritos, choro, ou silêncio. As maiores manifestações vocais não acontecem no momento principal, ocorrendo como uma maneira de conduzir a relação, estimular o amor-próprio do parceiro, assim como antecipar a ejaculação masculina, para dar fim ao ato sexual. Acabar logo pode ser a vontade da mulher que não sente prazer, e que, com o tempo pode passar a fugir do sexo. Ainda que insatisfeita, por vezes com intenso desejo, e excitada, mas sem conseguir o clímax, quer preservar o relacionamento, e não fala nada. Essa disparidade de intenções favorece um distanciamento ainda maior, pois o outro passa a suspeitar de infidelidade, e que a mulher possa estar direcionando seu afeto à outra pessoa.

Caso o homem tenha disfunção erétil, conhecida como impotência, mesmo que parcial e que possibilite a penetração, ou tenha ejaculação precoce, ou ainda que a mulher sinta orgasmos com a manipulação do clitóris, não se configura a anorgasmia, que é a situação de incapacidade de atingir o clímax. Há muitas causas apontadas para esse bloqueio. Algumas mulheres não sentem desejo, como se fossem assexuadas, um estágio mais grave da disfunção sexual feminina. A educação repressora, sisuda, castradora, hoje cada vez mais rara, é apontada como uma das causas, assim como questões morais e religiosas, nas quais o sexo é coisa suja, e não um encontro entre duas pessoas, um instinto tão natural como comer ou respirar.

Abusos sexuais, experiência dolorosas ou desagradáveis na atividade sexual podem causar bloqueios difíceis de serem vencidos, ainda que haja bons resultados com as terapias comportamentais. A não obtenção de prazer faz a mulher irritadiça, e tensa, sendo que chegar ao orgasmo tem efeito oposto. O sexo para o homem é visual, para a mulher é tátil. No sexo, ele parece estar alguns minutos à frente dela, que precisa de, em média, oito minutos para chegar lá, sendo difícil antecipar. O homem está mais capacitado a esperar, mas sem conhecer o problema, ou quando não tem interesse, nada fará. Outros são primitivos e acreditam ter ótima performance, o que pode não ser verdade. O desconhecimento da mulher quanto a si mesma, e dos homens quanto à sexualidade feminina, completam o desacerto.

O homem tem um ponto de prazer e a mulher tem dois, o clitóris e a vagina. Ambos podem ser estimulados para a mulher atingir o clímax. Nenhum deles é superior ao outro, mas pode ser mais difícil levar as sensações aprendidas no clitóris para a vagina e seu famoso ponto G, um lugar no seu terço inferior, local mais sensível e vascularizado. Há treinamentos para estimular esse despertar, que pode ser iniciado com exercícios pélvicos de fortalecimento da musculatura do períneo. Lembrar que “praticar sexo é uma escolha; ter prazer, uma possibilidade”. “Sexo é entrega, orgasmo uma conquista” (site ABC da Saúde). A capacidade de ter orgasmos aumenta ao longo da vida feminina.

O cérebro é um grande órgão sexual, que na mulher atinge o seu grau máximo. Para vencer os bloqueios, é preciso compreender que eles existem, e podem ser transpostos, mas para isso é necessário que a mulher esteja disposta a treinar-se para se permitir chegar aonde quer. Desobrigar-se de ter orgasmos, livrar-se do direcionamento genital e conduzi-lo para a mente. Usando a imaginação, que dê a si mesma o direito de se soltar, de se libertar das prisões, de esquecer-se das dificuldades, de se sentir merecedora e apta. O orgasmo feminino é um acontecimento que dura dez segundos, não deixa dúvidas de ter acontecido, e faz da mulher uma criatura plena.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


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